Há 20 anos Paulo Portas foi a capa da VISÃO. Estávamos em fevereiro de 1995 e aproximava-se um congresso do CDS. Manuel Monteiro dirigia há três anos o partido que já fora de Freitas do Amaral, de Amaro da Costa e de Sá Machado. Ao CDS já havia sido aposto o PP, de Partido Popular. Muitos ironizavam que a sigla era a das iniciais de Paulo Portas, que dirigia, depois de Miguel Esteves Cardoso, o semanário O Independente. O jornal levava ao colo o partido. As encíclicas eram escritas à sexta-feira por Paulo Portas em Pelo Contrário, o título da sua crónica, e recitadas durante o resto da semana pelos dirigentes do renovado CDS. A história conta-nos que os partidos fundaram jornais; nos anos 90, em Portugal, assistimos ao insólito de um jornal (re)fundar um partido.
Na redação da VISÃO, então instalada na Avenida da Liberdade, em Lisboa, e dirigida por Cáceres Monteiro, pressentia-se que Paulo Portas não queria apenas ser diretor de um influente, caceteiro e atrevido jornal. Apetecia-lhe algo diferente, como no anúncio. Fui eu incumbido de apresentá-lo aos leitores, nesse texto que foi capa da revista. A manchete: O Guerrilheiro da Direita.
O trabalho começou com conversas com a família de Portas. A mãe, o pai, a mãe e a meia-irmã contribuíram. Nobre Guedes, advogado e gestor do Independente, também conversou comigo, embora a primeira frase que lhe ouvi, quando me recebeu no seu escritório do outro lado da Avenida da Liberdade, tenha sido algo do género: “Porque querem escrever um artigo sobre o Paulo? Querem tramá-lo?” Houve pressões, menos claras e mais sérias, mas esses episódios ficarão um dia para as minhas memórias, se as houver.
Os familiares revelaram os episódios que hoje fazem parte de qualquer biografia do líder do CDS-PP. Como foi bom aluno no São João de Brito, um colégio jesuíta da elite da capital. Como se envolveu no seu primeiro processo judicial, aos 15 anos, quando escreveu um texto publicado no Jornal Novo, então dirigido por Helena Roseta, acusando Mário Soares, Ramalho Eanes e Freitas do Amaral de traidores. Como um ocasional encontro na livraria Bucholz, firmou uma amizade com Miguel Esteves Cardoso, que mais tarde, durante a celebração do 25º aniversário de Paulo Portas, daria origem à ideia de um jornal que não tivesse “um capacete de esquerda” e não fosse “um suplemento da Olá”.
O próprio Portas deu-me uma das suas primeiras entrevistas, ainda escondido sob o manto de jornalista mas com o rabo de político de fora. Estava nervoso, lembro-me, e fumou cigarros atrás de cigarros (hábito no qual eu também o acompanhei). Com o seu killer instinct habitual, defendia que “A Europa não é um puré de Nações”, pois na altura era nacionalista e anti-Europa. Afirmava-se anarco-conservador: não se identificava com a “idolatria da mudança” e era “um fundamentalista da Liberdade”. E do jornal que dirigia, diria: “ Apanhou muito bem o tom novo-rico do cavaquismo, daqueles que saíram da caverna para o palácio”.
A irmã, Catarina Portas, hoje uma bem-sucedida empresária do setor do retalho, lembrava como o irmão gostava de banda desenhada, em miúdo, e como passava o tempo a desenhar exércitos envolvidos em batalhas violentas. Essa queda para representar no papel a estratégia deu origem a um bem-sucedido estratego. Por isso é difícil crer na notícia de ontem (segunda-feira, 28, já madrugada dentro) de que se afastará de 15 anos da liderança do CDS-PP. Venham eles, seja eles Telmo Correia, Nuno Melo ou Assunção Cristas, que ele vai andar por aí, a planear no papel o novo movimento de tropas.
Para ler o artigo de fevereiro de 2015 que foi capa da VISÃO clique aqui.