Odeio o meu vizinho. De vez em quando, pego na caçadeira, vou para o quintal e disparo às cegas para além do muro que nos separa. É uma velha disputa sobre extremas, porque a porta ao lado tem o vício de mudar os marcos, roubando terra à pouca terra que me resta. O vizinho responde às minhas chumbadas com artilharia pesada. Embora conscientes das causas da briga e dos estragos dos morteiros, muito superiores ao poder de fogo da minha espingarda, os grandes senhores do bairro nada fazem a sério para que haja paz entre nós. Dizem, apenas, que a culpa é minha.
O que acima escrevo é figurado, mas ilustrativo do que se passa, de novo, entre Gaza e Israel, ambos com radicais no poder. De um lado, os islamitas do Hamas, que controlam o Governo da Faixa de Gaza, um território minúsculo, igual em superfície às áreas de Sintra e Oeiras combinadas. O Hamas dispõe, graças ao Irão, de um novo arsenal de mísseis de médio alcance, do tipo Fajr-5, com seis metros e 900 quilos, capazes de atingir os principais centros populacionais hebreus. Do outro lado, Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel e líder do Likud, um partido conservador e nacionalista extremo, que se opõe, na sua carta fundadora, à criação de um Estado palestino independente.
No seguimento do assassínio, por Israel, a 14 de novembro, de Ahmed Jabari, comandante militar do Hamas, os dirigentes de Gaza resolveram despachar uma boa quantidade de Fajr-5 em direção ao inimigo. Para os israelitas, o susto é maior do que o efeito, já que o sistema nacional de defesa de Israel dispõe de um sistema muito eficaz de interceção dos roquetes. Mas abre uma oportunidade política importante, que Netanyhau não deixou de aproveitar. Com eleições gerais a 22 de janeiro, parece importante mostrar ao eleitorado capacidade de decisão, determinação e força. Assim está a acontecer, com uma resposta desproporcionada.
As mensagens que convém enviar a ambos os lados são muito simples. Os tiros provenientes de Gaza têm que cessar de vez. E Israel não pode fazer escalar uma crise que traz um novo grau de sofrimento e de destruição aos 1,6 milhões de habitantes de Gaza, que, no seu quotidiano habitual, já vivem as angústias da miséria, do medo e do confinamento. Sem esquecer que o agravamento da situação atual contribui para enfraquecer ainda mais a Autoridade Palestiniana, incluindo o Presidente Mahmoud Abbas, um dirigente moderado.
Infelizmente, os sinais vindos do exterior não são encorajadores. Do lado europeu, nada de novo senão divisões e falta de liderança. Os EUA, o principal parceiro da região, não dão mostras de querer adotar uma posição equilibrada. Tinha esperança que, uma vez reeleito, o Presidente Obama adotasse uma linha mais isenta face aos lóbis judeus. Na verdade, a administração americana está sobretudo empenhada em evitar que a Assembleia Geral da ONU vote, a 29 de novembro, uma resolução que dê à Palestina o estatuto de Estado observador, que a deixaria a um passo de ser reconhecida como membro de pleno direito. Washington acaba de enviar a muitas capitais, incluindo Lisboa, um memorando confidencial, com uma série de advertências contra a Autoridade Palestiniana, caso esta insista em levar o projeto de resolução a votos. O memorando faz igualmente pressão para que Portugal e os outros Estados tomem a mesma posição que a americana e informem Washington se emissários de Mahmoud Abbas estiveram em contacto com o Governo, a pedir apoio para a moção.
Perante este tipo de iniciativas e alinhamentos, um cessar-fogo e uma trégua armada entre os dois vizinhos seriam já grandes vitórias…