Junho foi um mês de descobertas e de inocências. A minha neta descobriu, com fascínio, os caracóis que invadiram o meu jardim. Os comentadores políticos descobriram, com uma ingenuidade comparável, a classe média. A revelação ocorreu no seguimento das manifestações da Praça Taksim, em Istambul, e das várias “Avenidas Paulistas”, do outro lado do Atlântico Sul. De repente, tornou-se claro, para quem opina em público, onde se encontra o ânimo dos movimentos populares que arrebatam a Turquia ou o Brasil. Até velhos e endurecidos marxistas se deixaram arrastar por esta vaga de fundo. Pouco faltou para que vissem na classe média a nova vanguarda revolucionária.
A netinha e os analistas políticos vivem em grandes cidades. A contestação também. No cerne das manifestações, encontramos uma população urbana, desenvolta e desinibida, com um nível de educação acima do comum, bem conectada através das redes sociais. Muitos, sobretudo os mais jovens, têm estado a beneficiar de um processo recente de ascensão social. Terão acabado de transitar da precariedade da pobreza, em que os seus pais viveram, para um desafogo relativo. No caso do Brasil, mais do que na Turquia, em que o desenvolvimento parece mais sustentado, o espetro da fragilidade continua, todavia, presente, no quotidiano de muitas dessas pessoas. Ou seja, por um lado, existe otimismo, por outro, insegurança. Esta dualidade é uma das características que melhor definem a sua posição na sociedade. Esperança e fragilidade formam uma mistura explosiva. Abrem facilmente as portas à militância espontânea e voluntarista. Sobretudo quando as gentes das cidades sentem que as suas aspirações não são tidas em conta por quem governa ou que lhes estão a exigir demasiados sacrifícios financeiros, para custear despesas sumptuosas e gastos incompreensíveis, que, no fundo, apenas servem para alimentar a corrupção. E para comprar cumplicidades partidárias.
No Brasil, com uma economia ainda em expansão, não é a ameaça do desemprego que traz as pessoas para a rua. É um outro conjunto de razões. É o custo de vida, exagerado, o desfasamento entre a modernização económica e o atraso nos equipamentos sociais. É, acima de tudo, o divórcio entre uma nova geração de brasileiros, liberal, arejada, e uma coligação de conveniência de políticos manhosos. Presos a ideias que já fizeram o seu tempo, corruptos, nalguns casos, inacessíveis, noutros, são, em geral, incapazes de responder aos anseios de uma população dinâmica, moderna e informada, mas que se sente impotente, em termos da condução dos destinos do seu país. Ora, os cidadãos de agora querem ser tidos e achados. É isso que explica, em parte, o sucesso das redes cibernéticas de comunicação.
Não seria justo esquecer, porém, que, na Turquia ou no Brasil, as lideranças no Governo são vítimas dos seus próprios sucessos. Quer Erdogan, quer Lula e Dilma, conseguiram tirar os respetivos países do marasmo económico e obter taxas de crescimento que fazem inveja. Hoje, a Turquia é uma potência regional. O Brasil tem, para além disso, ambições globais. Mas o sucesso pode levar à arrogância e esta à cegueira política. Erdogan parece apostado em demonstrar que vai ganhar a batalha dos valores do passado. No caso de Dilma Rousseff, espero que compreenda que o seu legado histórico passa, acima de tudo, pela reforma do sistema político, a começar pelo combate à incompetência, aos compadrios e às negociatas, bem como ao arbítrio e à insolência institucionais.