Uma das notícias destes dias foi a da recuperação de 258,4 milhões de euros de impostos, provenientes da regularização de mais de 3,4 mil milhões de euros de capitais “estacionados” ilegalmente por cidadãos portugueses no estrangeiro. Foi mais um perdão fiscal, mais um regime “excecional” de regularização. Seguramente, uma vez mais “o último”, “a última hipótese”, tal como o foram em anos passados, com governos de outras pessoas e outros partidos.
É imoral e injusto para quem cumpre? É. É injusto para quem paga a totalidade da taxa de imposto, sem qualquer desconto, como acontece nestes regimes que premeiam o crime com taxas de saldo? Claro que é. Mas a vida, a vida de quem tem de administrar os impostos, é assim. É assim ou é nada.
Em matéria fiscal, como em tudo quanto mexe com dinheiro – sobretudo com muito dinheiro – um Governo não pode contar com a ética ou a moral como base de comportamento expectável dos grandes contribuintes. Em matéria de impostos, o que tem de existir são cargas fiscais com conta, peso e medida para incentivar o seu cumprimento, leis e mecanismos eficazes para facilitar o seu controlo e um quadro de fiscalização e de sanções que desincentivem o seu incumprimento.
Este último perdão não surpreendeu por revelar uma enorme falta de ética por parte de quem tem dinheiro. Apenas veio confirmar o que já se sabia: que há muito bom cidadão nacional com capacidade para gerar riqueza e para a fazer passar à margem do fisco português, uma e outra vez; e que o capital fugirá sempre que tal se mostrar lógico do ponto de vista económico.
Mas prova também que o capital está disponível para regressar. Ou porque as pessoas têm medo de ser apanhadas em falso, ou porque se sentem desconfortáveis com a existência de uma situação irregular, ou porque não é prático ter o dinheiro parado num sítio onde não pode ser mexido facilmente.
Prova tudo isto, mas, acima de tudo, mostra que enquanto a livre circulação de capitais continuar tão livre como é hoje, num espaço onde não há regras iguais nem vontade política para que elas venham a existir, os capitais continuarão a atravessar fronteiras. E aos governos continuará a sobrar-lhes o último recurso do perdão fiscal, do regime de exceção, da eficácia injusta e pouco dignificante para um Estado de Direito Democrático.
O problema não são os contribuintes – os contribuintes, e entre eles os capitalistas, serão sempre éticos ou não. O problema é o conjunto de leis – leis nacionais e tratados internacionais -, que enquadram e incentivam a imoralidade e a falta de ética dos contribuintes, dos governantes e dos Estados.
No meio de um esperado desânimo com Obama – que juntou a uma injustificada expectativa uma prestação objetivamente fraca -, a possibilidade de uma vitória republicana acaba de ganhar novo fôlego com o anúncio de um vice-presidente para Mitt Romney. Dá pelo nome de Paul Ryan e já não é apenas um candidato à Casa Branca que parece saído de um concurso de sabonetes, limpinho por fora… e sem nada por dentro. Quarentão, é a história viva do sonho americano: um miúdo da classe média, obrigado a trabalhar enquanto jovem e que subiu a pulso no Congresso dos EUA, onde começou como o rapaz que distribuía o correio. Ao contrário dos outros candidatos republicanos, que apenas dizem patetices, tem ideias, tem estratégia e tem feito a vida negra a Barack Obama na Câmara dos Representantes, prestação que faz dele um menino querido dos radicais do Tea Party. Um defensor intransigente de um Estado forte, e armado para lidar com o exterior, mas ausente na gestão da própria casa, com impostos e intervenção social mínimos. Um trunfo extraordinário para Romney na corrida à Casa Branca. Mas é disto que o mundo precisa?
No meio do pragmatismo da real politik há sempre espaço para alguma (ingénua?) esperança. E, nestes dias, a boa notícia foi o anúncio de uma iniciativa da ONU para a proteção dos oceanos. Uma medida global, que pretende não apenas proteger a biodiversidade dos mares e oceanos, em resultado da poluição e da sobrepesca, mas estender também a sua ação ao combate à subida do nível das águas do mar, objetivo muito mais ambicioso.
Ban Ki-moon afirmou que os oceanos estão num “estado precário” e que esta iniciativa da ONU, denominada Oceans Compact, estará intimamente ligada aos objetivos da Cimeira do Rio+20. A par da preservação de habitats e saúde dos oceanos, pretende também proteger as pessoas dos riscos do futuro, já que a subida das águas e a alteração das grandes correntes marítimas é hoje uma ameaça clara e direta para muita gente de vários pontos do planeta.
Apesar da crise global e de maior ou menor sensibilidade para as questões ambientais, não só nos EUA como na nossa própria casa (ver página 40 e seguintes), a verdade é que o futuro passa necessariamente por economias “verdes”, por novos modelos de organização das sociedades que tenham como linha orientadora os grandes princípios da sustentabilidade económica, social e ambiental. Com mais ou menos taxas, com mais ou menos ingenuidade, não há grande volta a dar.