1. Para lá do aumento das exportações, há, dizem-nos, uma “boa” notícia: as despesas do Estado desceram. Mas também há um pequeno óbice para assim a considerar: as receitas desceram ainda mais! E não se pode deixar de relacionar a segunda (maior) descida com a primeira… Por outro lado, as alterações à legislação laboral e os despedimentos destina(va)m-se a contribuir para aumentar a famosa competitividade e o emprego. Ora, não se tem verificado nem uma coisa nem outra – ao invés, com o desemprego a atingir níveis insuportáveis.
Disto e muito mais resulta que, mau grado os imensos sacrifícios, suportados pelos do costume, a dívida portuguesa em vez de diminuir aumentou: cerca de 5 mil milhões de euros no 1.° trimestre deste ano, em relação ao final de 2011 (números do Eurostat), passando de 107,8% para 111,7% do PIB. E então, que fazer? Mudar de caminho? Corrigir a rota? Nem se acredita, mas ainda há quem fale, antes, na necessidade de… diminuir os salários! E quem o diz, num país em que os salários são já, em geral, dos mais baixos da Europa? Figuras ou figurões com ordenados dos mais altos, por vezes astronómicos – fora outros privilégios. É não ter, além de razão e visão, uma réstea de pudor!
2. Novo caminho ou correção de rota não é nada que pareça fazer parte das intenções do Governo. Nem da troika, mau grado alguns sinais em contrário, sobretudo do FMI, que, todavia, ou se dissipam ou (ainda?) não se traduzem em nada de palpável. O que é palpável é a repetição, em Espanha, às vezes parece que a papel químico, de tudo que se passou em Portugal. O caminho está traçado pelos famigerados “mercados”, e faça-se o que se fizer, chame-se Rajoy ou Sócrates o chefe de Governo, os juros continuarão a subir e a encher os cofres dos mesmos especuladores, seguindo-se a receita habitual – até um dia. Entretanto, não só continuam impunes como na maior, dando até lições sobre a forma de resolver a crise, muitos dos seus principais responsáveis. Que deviam era estar no banco dos réus, ou na cadeia, pelo que fizeram ou permitiram se fizesse no sistema financeiro, acumulando enormes fortunas que andamos todos a pagar.
3. Falando aos seus deputados, Pedro Passos Coelho assegurou, de facto, que iria continuar no mesmo caminho, firme no comando do barco, com Miguel Relvas como imediato e toda a tripulação instada a dar-lhe apoio. Disse ainda o primeiro-ministro que não era por isso vir a prejudicar eleitoralmente o PSD que iria mudar de rumo: Portugal primeiro e, cito, “que se lixem as eleições”. Ótimo, inteiramente de acordo, é assim mesmo – aliás, com a minha longa experiência, nunca ouvi dizer outra coisa a nenhum político. Mormente a três anos de legislativas e quando tal proclamação é, na circunstância, a que mais lhe convém, se não a única possível. Pena foi que, antes das eleições de 2011, Passos Coelho não tivesse agido de acordo com o princípio ora enunciado e dito o que ia de verdade fazer, não fazendo depois, rapidamente, o contrário do que disse, em matéria de austeridade, impostos, nomeações, etc.
4. Sublinhei aqui, há quase seis meses (VISÃO de 9 de fevereiro), que permitir, a qualquer pretexto, candidaturas de presidentes de autarquias que vão completar três mandatos consecutivos, mais do que uma finta seria uma verdadeira fraude à lei. Mesmo tratando-se de uma candidatura numa outra autarquia, pois a lei não distingue. E, obviamente, se quisesse distinguir, a “só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos” tinha acrescentado “na mesma autarquia”… Não se pode partir do princípio que os deputados são tão incompetentes ou tão distraídos que quiseram dizer uma coisa e não a disseram! E a interpretação de uma lei não pode ser feita com base numa presumível vontade do legislador que não tem sustentação na sua letra. Assim, se o PSD quer, por exemplo, que Luís Filipe Meneses, passada a ponte sobre o Douro, se possa candidatar pela quarta vez, agora no Porto, tem de mudar a lei. Preserve-se ao menos, formalmente – e espero que não só -, o Estado de Direito.