Julgo claro que, com o atual Governo, estamos numa espécie de novo PREC. De sinal contrário ao outro, o de 1975. Adaptado e adequado aos tempos, de democracia consolidada no País, numa Europa em crise, num mundo que já não é o da Guerra Fria. O outro PREC foi o Processo Revolucionário Em Curso. Este é o Processo “Reformador” Em Curso. Reformador, entre aspas, porque já não se trata de reformar mas de minar ou destruir os alicerces de uma democracia política, social e cultural como configurada na Constituição da República (CR)..
Por outras palavras, não se trata do avesso do PREC, mas de um PREC do avesso. O outro era de esquerda radical, estatizante, contra a democracia política “burguesa”, totalitário ou tendencialmente totalitário; este é de direita ultraliberal (e, por isso, também radical), privatizante até ao ponto de querer retirar da esfera do Estado serviços essenciais aos cidadãos, cumprindo as regras da democracia política mas esquecendo, ou violando, liberdades associadas a outros direitos dos cidadãos, mesmo já adquiridos.
O outro PREC, ocorreu num período “revolucionário”, conturbado, após 48 anos de ditadura; este ocorre num período de crise mas de estabilidade, democracia consolidada e institucionalizada, nos antípodas de 1975. E também as imagens dos protagonistas estão em geral nos antípodas umas das outras: os de então mal vestidos, guedelhudos, agressivos, ameaçadores; os de agora bem vestidos, com boas maneiras, de falas mansas – e até com uma capacidade de encaixe e moderação formal, face às vaias, por exemplo, que se deve reconhecer. Mas, no essencial, quanto aos “conteúdos” das políticas, é, repito, similar, de sinal contrário.
A reação de Soares e outros Ora, curiosa e significativamente, dadas as aludidas diferenças de tempos, verifica-se hoje um movimento contra o atual P’R’EC muito parecido, na sua amplitude e diversidade, ao que ocorreu contra o PREC de 1975. E, neste caso, até alguns dos mais importantes protagonistas são os mesmos… Desde logo, Mário Soares. E militares do MFA que no “Verão Quente” assumiram a sua decisiva posição no “documento dos nove”. De facto, o Soares que presidiu ao histórico comício da Fonte Luminosa, marco no combate ao velho PREC, é o mesmo que promove hoje, quinta-feira, uma sessão contra o novo P’R’EC, “Em defesa da Constituição, da Democracia e do Estado Social.” Na qual participarão, ou que é apoiada, por muitos daqueles militares, e por um vasto leque de figuras de diversíssimos quadrantes, do então presidente do CDS, Freitas do Amaral, a figuras ligadas desde sempre ao PSD, a dirigentes das duas centrais sindicais, a Manuel Alegre e outras consideradas mais à esquerda.
A homenagem a Ramalho Eanes
Quase ao mesmo tempo, é prestada expressiva homenagem ao homem, daquele “grupo dos nove”, que exatamente comandou o setor militar do 25 de Novembro, que pôs termo ao PREC de 1975. E deu um contributo essencial para que logo de seguida não tivéssemos um PREC do avesso, mas, então sim, o avesso do PREC, com consagração do pluralismo democrático, normalização das FAs, aprovação da CR. Eanes foi, depois, o primeiro Presidente da República eleito, dando um precioso contributo para tudo isso. Pertenci à Comissão Política da sua candidatura (e da recandidatura também) e creio importante dar o seguinte testemunho: nessa altura houve muitos que quiseram fazê-lo o “candidato do 25 de Novembro”, enquanto outros, posição que defendi com ardor, entendiam que ele devia ser, e era, o “candidato do 25 de Abril”, restaurado a 25 de Novembro. Assim foi, assim Eanes quis, e a isso sempre se manteve fiel (e, assim, eu preferiria que a homenagem nem ocorresse a 25/11, mas noutra data, 1 de dezembro, por exemplo, quando se celebra a independência nacional que por inteiro queremos recuperar).
Pode ser que isso não tenha passado pela cabeça dos promotores iniciais deste ato de justiça. Mas para mim, e decerto para muitos que a ele se associam, ele hoje também vale para sublinhar o seu exemplo de seriedade e devoção aos valores democráticos, e como Presidente escrupulosamente respeitou o seu juramento de cumprir e fazer cumprir a Constituição da República, que o PREC não queria e o P’R’EC não quer, fazendo dela sua inimiga…