A primeira palavra era refundação, mas foi rapidamente abandonada. Anunciada assim, a mudança que se pretendia fazer no Estado assustou. Refundação é um termo radical, que pressupõe um quase cataclismo, uma espécie de destruição prévia para, depois, se voltar a edificar algo não necessariamente parecido com o que existia antes. As críticas não se fizeram esperar e interrogavam-se sobre o verdadeiro sentido das intenções de um Governo que já tinha anunciado não olhar a meios para atingir os sacrossantos desígnios dos credores externos, custasse o que custasse ao seu povo. Seja pelas críticas, seja pela tentativa de não dificultar o comprometimento do PS no desenho de uma nova arquitetura do Estado, o certo é que Passos Coelho decidiu “suavizar” a coisa, passando, então, a utilizar a palavra reforma. Reforma deve ser um dos termos mais desprezados pelos portugueses e é, seguramente, o mais usado pelos nossos políticos. Esta banalização retirou-lhe há muito o significado que vem no dicionário, sendo antes utilizado para mascarar intenções ocultas ou como subterfúgio de incompetências várias. A facilidade com que, no nosso país, um qualquer governante anuncia que vai fazer uma reforma só tem paralelo no comportamento pueril dos adolescentes.
Desta vez, no entanto, a intenção oculta da “reforma” trazia o rabo de fora, sob a forma de uma razia de 4 mil milhões na despesa do Estado. Assim, sem mais – um número antes do debate, do estudo sério, do compromisso, do timing. Um número depois de quase um milhão de desempregados, de cortes sucessivos em subsídios, salários e pensões, de violência fiscal sem limites, de empobrecimento geral, de emigração galopante. Um número que apenas pretende continuar a fustigar a população indefesa – os que vivem dos seus salários e pensões e, até, aberração das aberrações, os desempregados. Aqui chegados e cientes de não conseguirem arregimentar parceiros para dividir responsabilidades, os governantes deixaram de esconder o termo adequado às suas políticas: cortes, no plural, é a palavra da moda, na coligação. Este será para todo o sempre o Governo dos cortes e Passos&Portas os rostos dos seus principais responsáveis.
No passado fim de semana, numa entrevista ao jornal i, o ex-ministro Correia de Campos qualificou esta dupla que nos governa como “uns panhonhas” por não baterem o pé à troika. É verdade, têm mostrado que só são fortes com os fracos, mas são “panhonhas” perigosos como o está a provar o desastre para onde estão a conduzir o País. Os números recentemente divulgados pelo INE sobre o comportamento da economia e a profundidade da recessão provam-no e os próprios governantes dão, pela primeira vez, sinais de tensão e nervosismo. Em vésperas da chegada da troika, ainda sem saberem qual a decisão do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento e prevendo uma execução orçamental ainda mais difícil do que o esperado, os líderes da coligação deram uma volta de 180 graus ao seu comportamento. Passos mostra, publicamente, abertura para renegociar prazos com a troika e Portas aceita, pela primeira vez, envolver-se a sério numa medida impopular do Governo. Aqui não se trata de mudança, como alguns pretendem, muito menos de convicção. É, apenas, a tentativa de cada um se salvar à sua maneira. António José Seguro, com a sua carta aos dirigentes da troika, jogou, esta semana, uma bela cartada e dificultou-lhes a vida.