No Museu Nacional de Soares dos Reis, aqui, no Porto, está patente ao público uma excelente exposição de obras do pintor amarantino, Amadeo de Souza-Cardoso. A mostra evoca o centenário de uma outra que o mesmo artista apresentou, também nesta cidade, em 1916. Esta foi a primeira exposição que Souza-Cardoso organizou em vida. Viria a apresentar outra, no mesmo ano, em Lisboa, nos salões da Liga Naval. Na mostra do Porto de há cem anos, estiveram expostas 114 obras, das quais, 81 estão agora no Museu de Soares dos Reis.
A exposição de 1916 foi apresentada nas magníficas instalações do já desaparecido Jardim Passos Manuel construído por iniciativa do empresário portuense Luiz Alberto Faria Guimarães e que havia sido inaugurado em 1908, na rua que tem o nome do patrono. O herdeiro, se assim se pode dizer, do jardim Passo Manuel é o atual Coliseu do Porto. A exposição de Souza-Cardoso de 1916 foi a primeira que se fez no Porto de um pintor modernista. Mas não foi bem recebida por uma parte significativa da intelectualidade portuense daquele tempo – apesar de ter sido moderadamente elogiada pela imprensa da época. Dois casos, pouco conhecidos do grande público, que Álvaro Pinto relata no número 108 (1947) da revista “Ocidente” que ele dirigia, dão-nos uma ideia do que foi a reação desse setor da intelectualidade portuense daquele tempo. O primeiro foi protagonizado por Eduardo Artayete, misto de poeta romântico e boémio noctívago.
No dia da inauguração da mostra no Jardim Passos Manuel, quando a cerimónia ia no seu auge, ouviu-se, vindos de um Canto da sala, gritos de “acudam-me, acudam-me, que horríveis tonturas …” Era Artayete que, agachado e com as mãos a agarrar a cabeça, protestava, à sua maneira, contra o tipo de pintura ali exposta. O segundo caso aconteceu dias depois da exposição. Amadeo de Souza-Cardoso apareceu no serviço de urgência do Hospital de Santo António onde foi atendido pelo médico Júlio Abeillard Teixeira. É o médico que conta: apareceu – me na urgência do hospital um cavalheiro algo esmurrado que queria tratamento.
– Como se chama?
– Amadeo Cardoso.
– Profissão?
– Pintor.
– Teve alguma cena de pugilato?
– Não senhor. Fui agredido ao sair da minha exposição. Descia a rua de Passos Manuel e já tinha passado o cruzamento com a rua de Santa Catarina quando notei que alguém me seguia monologando. Apressei o passo. Perto da travessa (atual rua do Ateneu Comercial do Porto) a pessoa que me seguia interpelou-me: olhe lá, o senhor é que pintou aquilo que está lá em cima? Sim, fui eu … não pude dizer mais nada. O homem agrediu-me com rancor e eu nem tive tempo de me defender. Quando apanhei o chapéu já o sujeito se tinha raspado…
Comentário de Abeillard Teixeira: “Fiz esforços inauditos para não soltar uma gargalhada e curei o pintor“.
Moral da história: duas maneiras de reagir a um determinado género de pintura: a de um poeta e a de um anónimo. Resta dizer que a exposição agora patente ao público no Museu de Soares dos reis está a ter um enorme sucesso. Como aliás era de esperar.