Quantas pessoas, até há uma semana, tinham ouvido falar em Lucília Gago? Muito poucas, certamente, ou não teria sido utilizado tantas vezes o adjetivo “discreta” em todos os perfis publicados logo após a sua nomeação para nova procuradora-geral da República. Foi uma escolha, não é difícil reconhecê-lo, absolutamente surpreendente. Em especial para todos aqueles que fazem parte do chamado “País bem informado”, mas cuja maioria não sabia, sequer, da existência de Lucília Gago até ao momento em que começou a ler o comunicado do Presidente da República com o nome que lhe tinha sido proposto por António Costa.
Apesar da polémica suscitada pela não continuidade de Joana Marques Vidal no cargo, e que promete durar pelo menos tanto tempo quanto o desfecho de alguns dos mais importantes casos judiciais que ela deixou em legado à sucessora, a verdade é que, quatro dias depois desse anúncio – quando escrevo este texto –, ainda não se tinha lido ou ouvido uma crítica à personalidade escolhida e que, de repente, saltou do quase anonimato para o décimo lugar na hierarquia protocolar do Estado português, imediatamente à frente do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. Houve críticas ao processo, à forma como foi gerida a informação, à interpretação do mandato único do PGR por parte de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Costa, mas nem uma palavra se fez ouvir, explicitamente, contra Lucília Gago, a sua carreira ou a sua personalidade. E isso é bom – porque faz diminuir a gritaria e pode contribuir para a serenidade tão necessária para o desempenho daquele cargo.
Num tempo em que cada vez mais é necessária e exigida a clara separação entre o poder judicial e o poder político, é positivo e salutar que o nome escolhido para PGR não seja, por si só, fator de clivagens ou sirva de rastilho para intermináveis batalhas partidárias. E isso é muito bom – até porque permite que Lucília Gago inicie o seu mandato com tranquilidade e possa tomar as decisões que lhe competem sem o constrangimento de poder estar a favorecer ou atacar quem a defendeu ou atacou, logo no início.
Mas o melhor que este caso revela é mesmo o facto de, em Portugal, ainda ser possível ir “descobrir” um nome, quase ao anonimato público, e ele ser aceite de forma pacífica, graças ao peso do currículo que lhe está associado. E isto é ótimo – porque demonstra que, afinal, há muito mais País para além daquele que se lê, ouve e discute diariamente na praça pública, quase sempre com os mesmos protagonistas e argumentos gastos e repetitivos. Lucília Gago não é uma personalidade mediática e, por isso mesmo, o seu nome nunca surgiu nas apostas que, ao longo dos últimos meses, foram feitas para descobrir quem poderia ocupar o lugar de Joana Marques Vidal, na eventualidade de esta não ser reconduzida. Em vez dos nomes “do costume”, que andaram pela imprensa e pelas redes sociais, Marcelo e Costa apresentaram um nome novo, desconhecido e inesperado. Com a certeza, ainda, de que poderiam ter optado por outros nomes também desconhecidos, mas com currículos igualmente sólidos e competentes, e que, no mínimo, mereceriam também o nosso benefício de dúvida quanto à qualidade do seu trabalho e à forma como iriam aplicar a Justiça. A vida pública portuguesa precisa desse rejuvenescimento, de novos protagonistas. Escolhidos pelo mérito e pelo peso dos seus currículos.
Agora, cabe a Lucília Gago estar à altura da responsabilidade e demonstrar a sua independência. E a melhor notícia que poderíamos ter era a de que ela continuasse a ser “discreta”. Mas com uma condição: que o País aumentasse a sua confiança na Justiça.
(Editorial da VISÃO 1334, de 27 de setembro de 2018)