Lembram-se de Portugal nos dias imediatamente anteriores à tragédia de Pedrógão? Como os factos ainda estão próximos não é preciso fazer grande esforço de memória: estávamos no pico de uma onda de calor, depois de as temperaturas médias terem já batido recordes nos meses anteriores. Perante esses indicadores e prevendo a ocorrência de mais uns dias de tempo seco e quente, a meteorologia acionou um aviso de alerta vermelho, a indicar perigo de incêndio para quase todo o território nacional. Mas, na verdade, ninguém ligou muito ao aviso. Parecia ser apenas mais um alerta corriqueiro, como é normal acontecer sempre que junho se atravessa no calendário, com a sua mistura eufórica de feriados e de calor. Todos descansaram, até a pensar que se alguma coisa corresse mal haveria bombeiros e meios aéreos prontos para entrar ao serviço. Mas foi o que se viu…
Temos agora outro incêndio prestes a deflagrar. Ainda não foi decretado o alerta vermelho, mas só porque neste caso não existe uma entidade oficial com a missão de medir a temperatura ou o risco. O que é estranho, pois já todos perceberam que o risco está elevado de mais. Os sinais dos últimos meses são esclarecedores. Há combustível a acumular-se de uma forma assustadora e imparável. E há vários anos, exatamente como sucedeu nas florestas de pinheiros e eucaliptos. Percebe-se até, nalguns casos, que há mesmo quem deseje o incêndio, quanto mais não seja para evitar outros confrontos ou ajustes de contas. Sucedem-se, de todos os lados, os apelos aos lança-chamas e, pior do que tudo, instalou-se um clima propenso ao avanço do fogo, encarado como algo de normal e sem consequências.
A verdade é esta e não deixa de ser triste: este fim de semana, regressa o futebol e, já se sabe, com os primeiros jogos da nova época vão incendiar-se, ainda mais, os ânimos, exacerbar-se as clubites e aumentar a tensão. De ano para ano, tem crescido sempre o clima de hostilidade, bem como o recurso aos golpes baixos e às manobras obscuras de bastidores. Há mais violência e, sinceramente, pelos sinais que começam a ser dados, nada tem sido feito para a erradicar. Antes pelo contrário: o discurso incendiário ganhou cada vez maior espaço mediático e acabou até por dar visibilidade pública aos seus autores, com alguns agora a transportá-lo para o espaço político, com o mesmo grau de intolerância e de impunidade.
Em Portugal, nos últimos anos, em redor de um desporto maravilhoso e empolgante como o futebol, tem sido criada uma cultura de hostilidade e de confronto, que é cada vez mais transversal a toda a sociedade. Passou a achar-se normal acusar os adversários por tudo e por nada, justificar os maus resultados com as decisões ou os erros dos árbitros, usar todas as manhas e truques para vencer a qualquer preço. É triste que seja esta cada vez mais a realidade no País que é campeão europeu de futebol e cuja seleção é capitaneada pelo melhor jogador do mundo. Um país onde o futebol de formação é hoje uma referência mundial e em que se criou um conhecimento técnico que permite ir formando mais e melhores treinadores.
Mas existe um outro lado da moeda. Cada vez mais visível, por exemplo, no futebol jovem, o setor onde ocorrem, estatisticamente, mais casos de violência a árbitros, envolvendo, na maioria dos casos, os pais dos jogadores. A situação é de tal modo grave que, na Madeira, as autoridades desportivas locais já decidiram que nos próximos torneios de infantis não haverá pontuação em função do resultado, como forma de fazer diminuir o ímpeto competitivo. Uma solução que, na verdade, constitui a negação do que é o desporto. O que falta é, isso sim, punir, de forma rápida e exemplar, quem pratica a violência e quem a incita. Só assim, na verdade, se poderá evitar o incêndio que aí vem. Pois, como já vimos, nem o SIRESP evita os fogos nem os apelos ao fair-play fazem terminar a violência no desporto.