Está rápido, o Mundo, e muita é a pressa em mostrar serviço. Mais do que revelar discernimento, o importante é estar nas bocas do mundo, é andar à frente.
É difícil encontrar melhor exemplo sobre a superficialidade das decisões, sobre a vontade de ser e fazer notícia, de responder em cima da hora, do que a decisão do Governo madeirense de dar o nome de Cristiano Ronaldo ao aeroporto do Funchal.
Não porque falte currículo ao tri-bola-de-ouro, campeão europeu, capitão da seleção e detentor de mais não sei quantos títulos; não porque se lhe possa negar mérito na divulgação e valorização da Madeira. Principalmente, não porque o seu exemplo de vida – até hoje – não seja exemplar, não seja – até hoje – digno de todo o respeito, não seja – até hoje – um caso de enorme sucesso construído pela sua força de vontade, vencendo diversas adversidades. Mas tudo isto foi até hoje. E amanhã, como será Ronaldo?
Ronaldo merece todo o carinho e é um bom caso para apresentar aos nossos filhos sobre como é preciso batalhar pela vida, que o esforço é essencial mas pode não ser suficiente e que é preciso não perder a vontade de vencer as adversidades que persistirem. Mas Ronaldo tem 31 anos. Ainda tem muita vida pela frente. Ninguém deseja que deixe de ser uma figura de referência, mas ainda tem muitos anos para provar, enormes tentações para vencer, inúmeros desafios para ultrapassar. Quem pode garantir que, ele ou qualquer outro jovem, terá uma vida isenta de reparos e que no final da caminhada ainda merecerá grande distinção?
As letras que compõem o seu nome vão ficar gravadas nas paredes de um dos principais aeroportos nacionais e em inúmera propaganda turística. A Madeira quer ganhar com os golos do CR7. Mas é errado, por ser oportunista, e demasiado arriscado, por precipitado. Não colhe a comparação com os pavilhões Rosa Mota ou Carlos Lopes, pois as situações são bem diferentes.
As homenagens públicas perenes – e não era mau se as de circunstância também o fossem – têm de ser bem ponderadas. Basta recordar o que foi dito, mas já esquecido, sobre a transladação de Eusébio para o Panteão Nacional. O que estava em causa era deixar que o tempo arrefecesse as emoções e permitisse avaliar, serena e conscienciosamente, se o homenageado merecia a distinção eterna. Um ano passado e as cautelas já foram postas de parte.
Recordo que decorreram dez anos entre a morte de Sá Carneiro e a atribuição do seu nome ao Aeroporto de Pedras Rubras, e onze até ter uma estátua na praça de Lisboa que recebeu o seu nome mas que continua a ser do Areeiro. E, mesmo assim, muita gente achou precipitado. Ronaldo é campeão europeu há duas semanas e meia. Humberto Delgado fundou a TAP há 71 anos.
As homenagens fazem-se a frio, com ponderação.
Uma receita que também deveria aplicar-se aos comunicados das autoridades e às notícias. O que se passou à volta do louco massacre perpetrado em Munique – com referências a trocas de tiros noutros pontos da cidade, existência de vários cúmplices, e posterior suspensão dos transportes coletivos, comboios incluídos – criou um alarmismo nada saudável. Graças à precipitação, um jovem parou a cidade, e parte da região, e ganhou um protagonismo que outros dementes poderão ambicionar (veja-se os casos do Japão e do Norte de França). Correram as autoridades a fingir que tinham tudo controlado (mais de 2300 polícias envolvidos em toda a Alemanha) e apressaram-se as redes sociais, e atrás delas os sites de informação, televisões e afadigam-se os jornais para dizerem que também sabiam tudo. Não sabiam.
Noutra escala, temos as hipotéticas sanções europeias sobre Portugal. Parece que no outro lado da península, a julgar pela pouca importância que os jornais espanhóis dão ao caso, a adivinhação sobre o veredicto final é prática menos corrente, mas no nosso canto só falta fazerem-se apostas. É cada qual a ver se acerta primeiro.
Tudo isto apela à instabilidade, tudo isto mostra que vivemos uma fase de falar, decidir e fazer antes de pensar. Vamos depressa. Mas para onde?