É assim que muitos casais discutem:
Ela: “Ele deixa sempre a roupa espalhada pela casa e já lhe disse mil vezes que detesto isso…”,
Ele: “Sempre a falar do mesmo. Já chateia. Sempre que chego a casa ouço isto… vejo a cara dela e só tenho vontade de sair…”,
Ela: “Nunca ouve nada do que digo!”,
Ele: “Está sempre insatisfeita por mais que faça…sempre a queixar-se!”,
Ela: “Nunca me respeita! Fala sempre aos gritos!”,
Ele: “Só pensa nela e tem que ser como ela quer”!
Ela: “Eu? Exatamente o contrário! É como se eu não existisse! Não aguento mais! Parecemos dois estranhos. Quase não falamos e quando falamos a maior parte das vezes é para discutir, cada um faz a sua vida…eu já nem falo para evitar discussões…e agora anda com outra!”
Ele: “Sempre a falar do mesmo! Já lhe disse um milhão de vezes que não ando com ninguém!”
Ela: “Mentiroso! Só dizes mentiras! Andas, andas, porque eu sei que andas!”
Ele: “Sempre a inventar! Já não aguento mais! É sempre o mesmo”
Ela: “Nega, nega…Eu vi no teu telemóvel!”
Ele: “O quêêê? Tu andaste a ver o meu telemóvel?” Tu não sabes o que é privacidade. Invadiste a minha privacidade! Eu não te admito…”
Ela: “Tu andas a trair-me e eu sei! Eu li as mensagens…tu todo querido… e comigo estás “de burro” todo o tempo. Achas que sou estúpida ohhh quê?
Ele: “Muito esperta! Aquilo que viste não era nada…era só uma colega de trabalho que precisava de uma informação sobre um projeto de equipa… e se estou de “burro” a culpada és tu! Só criticas, criticas, criticas…nada do que faço está bem, estou farto!”
Ela: “E, por acaso, os colegas escrevem muitos beijinhos com saudades?”
Ele: “Onde leste tu isso, mulher? Mas, se fosse verdade a culpada eras tu. Ninguém aguenta! Já que está a falar disso, conta lá com quem andas a falar no FB? Conta! Ahhhh, pois, agora estás a rir!
Ela: “Com a minha irmã parvo! Querias que fosse com quem?”
Ele: “E que grande conversa com a tua irmã ontem na casa de banho! Sim, julgas que sou estúpido e que não te vejo levar o telemóvel para a casa de banho?”
Ela: “Se me desses mais atenção, talvez não levasse… e tinhas ouvido o que te disse ontem… a minha irmã vai separar-se porque, tal como eu, não aguenta mais!”
Ele: “E porque não aproveitamos a boleia?”
Ela: “Um destes dias vais ver, vais…”
Ele: “Tu és mesmo… achas que tenho medo de ti?
Ela: “Não quero medo, quero respeito, coisa que tu nunca soubeste o que é! Aliás, nem respeito, nem educação, nem afeto, nem nada…!”
Ele: “E tu só sabes controlar, controlar, controlar… e ver tudo a preto! Vê às cores mulher! Estou farto, farto, farto…sempre o mesmo!
Ela: “Às cores já eu ando há muito tempo, e um destes dias passo-me a sério, e vais ver um arco-íris!
Ele: “Vou ver o quê, diz lá? Tens a mania tens, mas eu também não tenho medo de ti. Faço as malas e vamos ver como te sustentas!”
Chegou o momento de intervir!
Eu: “Muito bem! Então, não têm medo um do outro, verdade? (pausa) Olharam para mim surpresos! Não responderam!
E de serem felizes têm? Porque me parece que de serem infelizes não têm, e até sabem muito bem como o ser!
Querem explicar-me porque sentem necessidade de se fazer tanto mal? Fá-los sentir bem? O que estão a sentir?
Muitas vezes o meu dia começa assim. Todos os casais e famílias são diferentes, mas é possível identificar demasiadas semelhanças e pontos em comum. Uma das semelhanças que mais se destaca talvez seja a de se terem deixado de ver enquanto seres humanos imperfeitos, com vulnerabilidades, fragilidades e dificuldades e passarem a ver-se como inimigos e beligerantes num campo de guerra onde cada um coleciona “armas”, “bombas” e uma vasta “artilharia pesada”.
E pergunto-me: como é que duas pessoas que há tanto ou pouco tempo atrás se apaixonaram e escolheram partilhar os seus pensamentos, o seu amor, a sua vida, fizeram amor e disseram que se amavam inúmeras vezes, escolhem agora fazer tanto mal a si e ao outro, quando não também aos seus filhos?
O que endurece tão vertiginosa ou lentamente o seu coração a ponto de não conseguirem olhar-se mais olhos os olhos, conversar, sentir o que o outro está a sentir, perceber o verdadeiro sentido da palavra Amor e do que é amar e sentir-se amado?
Quando entram no “registro automático” do “campo de guerra”, estas pessoas parece esquecerem tudo o que viveram e procuram incessantemente descobrir como se sentir mais poderosas, como arranjar armamento mais sofisticado e de longo alcance para magoar, para ferir, para fazer com que o outro “acorde”. No entanto, ao contrário do esperado, o outro e, também eles próprios, parecem estar cada vez mais adormecidos numa espécie de coma prolongado de onde dificilmente conseguem sair.
O que os faz assim permanecer? As experiências marcantes, a mágoa, os ressentimentos, os seus egos grandiosos e inflamados e mais, muito mais…precisam sabê-lo para sair do “teatro de guerra” e conseguir olhar do lado fora para ele.
Tantas horas, dias, meses, anos de dor e sofrimento se evitariam se simplesmente os casais gravassem e visualizassem as suas discussões do lado de fora, como se de um outro casal se tratasse e procurassem ajudá-lo a encontrarem estratégias para gerir as suas emoções e encontrar novamente o caminho dos dois, a dois.
Para conseguir perceber o que realmente está a acontecer nas suas vidas, os casais que discutem dia sim, dia sim, hora sim, hora sim, precisam em primeiro lugar decidir sair desse cenário de guerra. Precisam, os dois, hastear a bandeira branca e retirarem-se do sitio onde por vezes sobrevivem há longo tempo, encontrarem-se na frente da batalha, e aceitar o enorme desafio que é perceber porque insistem em fazer tanto mal ao outro e a si mesmos, identificando as emoções que estão a sentir, reconhecendo as emoções do outro, e compreendendo que não é em guerra, mas em paz, que se descobre porque precisamos estar em guerra, quando o que mais queremos é ter paz.
Que não é em guerra que se reencontra o Amor, a ternura, o respeito, a confiança, a valorização, a empatia, a bondade, a compaixão, o perdão, porque em cenário de guerra apenas afloram sentimentos e emoções negativos e, por isso mesmo, não existe qualquer possibilidade de descobrir os positivos e o que os faz sentir bem.
Críticas, ofensas, desvalorização, humilhação, generalizações, culpa, cobrança, necessidade de controlo, defesas exacerbadas, emoções ao rubro, podem tornar-se um registro viciante do qual é muito difícil sair. É, pois, muito importante que saibam qua a continuar, apenas os conduzirá a sentirem-se ainda mais angustiados, ansiosos, com mais raiva, revolta, tristeza, desespero, vivendo numa espécie de deserto emocional. Os dois! Porque aquele que ganha o “jogo”, também é perdedor.
Uma relação amorosa não é um campo de tortura. Quanto mais tempo aí permanecerem mais difícil será encontrarem a saída. Não é aí que vão encontrar o Amor perdido ou sentirem-se amados, é do lado de fora. Sim, é um risco. Dentro do campo de guerra não é também? E cá fora pode perceber o verdadeiro sentido de permanecer ou partir, enquanto que lá dentro só tem tempo para disparar e defender-se! Nada mais! A sua vida fica em cima de um trapézio e a sua saúde mental e física também!
Já imaginou como se sentiria se as discussões a toda a hora terminassem?
A maioria dos casais que acompanhei que decidiu observar e interpretar a dois aquilo que se pode assemelhar a um filme de terror, surpreenderam-se com o outro, e também consigo próprios, quando finalmente perceberam que o outro sentia emoções muito semelhantes e que por detrás delas existiam dores também elas semelhantes.
Medo, raiva, ira, tristeza, rejeição, angustia, frustração, ansiedade, desespero… É sobre estas emoções que é preciso falar, não no registo “Tu, tu, tu…” mas no registo “Eu sinto, eu sinto, eu sinto”, sem culpabilizações, generalizações, ofensas, desvalorizações.
É óbvio que a escuta ativa tem de estar presente, assim como o interesse e a empatia. Sim, existem pessoas que têm uma enorme dificuldade em sintonizar-se com o outro, em colocar-se no lugar do outro, em sentir o que o outro está a sentir. Existe muita gente assim? Sim, mas a maioria tem empatia. Outros nasceram em campos de guerra e sentem dificuldade em acreditar que existam campos de flores.
Expressar as suas emoções permite-lhe entrar em contacto com elas, descobrir a verdadeira razão da dor que sente, olhar para ela e perceber de onde ela vem, se existe realmente motivo para continuar a senti-la, perdoar e perdoar-se. Permitir-lhe-á ainda descobrir os motivos que o levam a estar nessa relação, e os que o levam a partir, abrindo-se a possibilidade de os identificar e quem sabe trabalhar.
Já viu a quantidade de coisas que pode fazer do lado de fora dessa guerra? E mesmo que decida que são mais as razões para partir do que para ficar, quando encontrar um novo Amor, poderá fazer-lhe um desenho do que é um campo de guerra e do que é um campo de Amor e ensinar-lhe a como permanecer no segundo, evitando o primeiro.
Uma discussão pode ser tudo o que quiser. O problema não é a discussão, é a forma como discutem e o que a discussão os faz sentir. Pode significar construção, estagnação ou destruição. Se for construção e conciliação de diferenças, sentir-se-ão bem, se for estagnação, sentir-se-ão menos bem e a andar em círculos, se for destruição, há que parar e perceber porque se estão os dois a destruir, ainda que silenciosamente.
Quer mesmo gastar o seu tempo de vida a destruir o outro e a permitir que o destruam?
Será que não existem experiências que gostaria de viver que o fariam sentir melhor consigo mesmo e em paz?
Quem o impede de ter paz? O outro ou você mesmo?
Escolha fazer o bem e fazer-se bem!