A FAO estima que anualmente, muitos milhares de milhões de toneladas de alimentos, sejam desperdiçados ou se percam ao longo das cadeias produtivas, representando 30% de todos os alimentos produzidos por ano no planeta. Desta percentagem, quase metade (46%) são alimentos ou comida já produzida ou pronta a comer. Que é desperdiçada. Como é possível que o nosso sistema alimentar e todos nós sejamos tão maus a gerir um bem precioso como é a alimentação, num planeta cada vez mais pequeno para albergar tanta gente e quando por minuto, morrem 20 pessoas no mundo, ou seja, 28.800 mortes por fome por dia?
Em paralelo com esta vergonha, o sistema alimentar produz uma enorme quantidade de alimentos com pouco valor nutricional, com excessiva quantidade de energia (calorias), sal e açúcar contribuindo para a epidemia de obesidade que cresce sem parar, afetando já mais de 603 milhões de adultos e 107 milhões de crianças, representando cerca de 5% de todas as crianças e 12% de todos os adultos no mundo inteiro.
Segundo o último Inquérito Alimentar Nacional, em Portugal, um dos países europeus com maior prevalência de obesidade infantil, consome-se (em percentagem da quantidade total de alimentos consumidos) cerca de 21% de alimentos com pouco interesse nutricional (bolachas, bolos e doces, snacks, salgados, pizzas, refrigerantes e néctares e bebidas alcoólicas). Produtos alimentares que nem sequer se encontram presentes na Roda dos Alimentos, o guia alimentar nacional por excelência. Muitos destes produtos alimentares, ricos em calorias, sal e açúcar, mas vazios em vitaminas e minerais, custam relativamente pouco a produzir, conservam-se bem nas prateleiras dos supermercados e são sensorialmente muito apelativos. Esta vantagem sobre os alimentos não processados e frescos permite-lhes acumular capacidade económica para investir em publicidade e campanhas promocionais nos supermercados e em outros pontos de venda onde estão constantemente em promoção, sendo extremamente sedutores, em particular para as camadas da população com menor literacia nutricional e económica, que não renegam uma pechincha, independentemente de terem necessidade dos alimentos ou de estes serem nutricionalmente um desastre. Apesar das coisas não estarem diretamente ligadas, não espanta que as doenças de base alimentar como a diabetes, a obesidade ou a hipertensão cheguem a ser 2 a 3 vezes mais prevalentes na população com menos escolaridade em Portugal.
Apesar de todos sabermos disto, a luta contra o desperdício alimentar nos últimos anos não se tem centrado na melhoria da literacia alimentar das populações, não se tem centrado na capacitação das populações para saber confecionar, não se tem centrado no combate ao excesso de promoções de produtos alimentares de necessidade duvidosa e baixo preço nos pontos de venda, não se tem centrado na redução do consumo de calorias vazias de bolachas, croissants, óleos de má qualidade, de produtos de pastelaria hipercalóricos, mas sim no reaproveitamento dos produtos alimentares que muitos compraram inadvertidamente e no reaproveitamento das sobras que muitas famílias produzem por má gestão económica e devido a uma cultura de consumo excessivo. O objetivo da luta contra o desperdício tem sido a reintrodução na cadeia alimentar de géneros alimentares, raramente frescos e raramente favorecedores do equilíbrio nutricional, mas quase sempre de produtos hipercalóricos, embalados e processados que, em vez de irem para o lixo, vão parar ao prato dos mais pobres e iletrados, que são, nos dias que correm, também e infelizmente, os mais obesos, hipertensos e diabéticos, alimentando um círculo de doença e sofrimento que em alguns meios é visto como um círculo de virtude. Acima de tudo, alimentando uma certa lógica económica de quem continua interessado em produzir mais e mais, muitas vezes de pobre qualidade nutricional, redistribuindo a má qualidade alimentar dos que não sabem comprar para aqueles que não conseguem comer.