Era uma vez um miúdo, o Francisco, três anos e pouco. Vivia com o pai Daniel, a mãe Maria, a irmã Joana e a avó Jacinta, muito velha e que às vezes inventava histórias esquisitas. Como muitas famílias naquela terra, saíam muito cedo de casa e voltavam já tarde. O Francisco para o Jardim de Infância, a Joana para a escola e tempos livres, o pai e a mãe para o trabalho e a avó para o centro de dia dos reformados.
Quando chegavam a casa, o pai Daniel ficava ligado ao seu smartphone na sala, a mãe Maria dava banho ao Francisco e adiantava o jantar, a irmã Joana fazia os trabalhos de casa e a avó dormia sentada no sofá, no meio do sono, inventava histórias.
Para despachar, ao Francisco davam-lhe o jantar primeiro e depois ele entretinha-se a brincar, só, enquanto o resto da família jantava a olhar para a televisão.
Um certo dia, o Francisco resolveu fazer uma birra das grandes para comer a sopa do jantar. A mãe Maria depois de cantar todas as cantigas que sabia, desesperou e chamou o pai Daniel, que para entreter o Francisco fazia macaquices, veio também a irmã Joana que trouxe a playstation dela para o Francisco ver. Até a avó Jacinta se levantou do sofá e contava histórias antigas.
E começaram a ser assim muito animadas as horas de jantar do Francisco, todos os dias.
Só ele sabia que com a birra conseguia que a família estivesse junta à volta dele. Era bom.
Quando eu era criança, a propósito dos comportamentos dos mais novos e das suas “birras”, era usual ouvir-se a expressão, “as crianças não têm querer, é assim e acabou-se”. Muitas vezes acabava-se. Na verdade, as crianças, maiores ou menores, com mais ou menos dificuldades, têm “quereres” e é bom que sejam considerados mesmo quando as crianças, por várias razões, não são capazes de os afirmar.
No entanto, do meu ponto de vista, é também evidente que em muitas circunstâncias passamos o “querer” das crianças nem sempre é contrariado e transforma-as em pequenos ditadores.
Talvez fosse boa ideia não esquecer que a não aceitação de todos os “quereres” dos miúdos bem como o respeito por alguns dos seus “quereres”, se torna indispensável ao seu bem-estar à estruturação de comportamentos adequados e à capacidade de os regular, aprendendo a gerir as regra e o limites.
(Texto escrito de conforme a antiga ortografia)