Cliché mais ouvido do que “a realidade ultrapassa a ficção” não deve haver mas, como todos os clichés, tem o seu quê de verdade. A questão é que, à medida que os anos passam, o cliché mantém-se verdadeiro mas cada vez menos relevante. Vejamos. A ficção vem na senda da semelhança com a realidade. Mesmo quando retratava mundos que não existiam, tentava ser tão “realista” que a vivíamos como se existisse. A ficção vivia numa competição com a realidade mas e se a ficção não tentasse imitar a realidade mas usá-la? Era uma ótima ideia e tem vindo a ser feito desde o início do século passado, pelo menos no cinema. Ilustrações que ganham vida existem desde 1900 e foi em 1988, com “Quem Tramou Roger Rabbit?”, que teve o seu expoente máximo e mais popular.
Então qual a razão do fenómeno Pokémon Go?
Sim, porque um jogo que em menos de uma semana é instalado no dobro dos telemóveis do que o Tinder, tem o dobro do engagement do Snapchat, ultrapassa largamente a percentagem de utilizadores diários do Twitter e tem mais procura na internet do que a pornografia, é um fenómeno. Melhor, é um dos maiores fenómenos de sempre do mundo digital.
Mas porquê? Já houve jogos que misturavam realidade e ficção. Porque não tiveram esta adesão desenfreada?
Um dos que mais me impressionou quando surgiu em 2011 foi ToyToyota, um jogo exclusivamente desenhado para os “backseat drivers” da Toyota. Podia-se percorrer o mesmo trajeto que o veículo e a realidade transformava-se num jogo onde se ganhava pontos por apanhar objetos reais ou virtuais.
Só que era só para quem tinha iPhones, só para quem tinha Toyotas, o trajeto visualizado era ilustração e era dirigido para crianças. Muitas limitações que fizeram do jogo uma experiência limitada.
E voltamos à questão: porquê o fenómeno Pokémon Go?
Por um lado temos três questões operacionais relevantes.
1 – É gratuito. Pelo menos para começar, porque para acelerar a procura vai acabar por gastar dinheiro.
2 – Utiliza realidade aumentada, que funciona como um layer de interação com o mundo real.
3 – Potencia a interação de várias tecnologias de um só aparelho, Câmara, GPS e ecrã táctil.
Por outro lado temos três questões sociais potenciadoras
1 – Cria “Sharable Moments”. Uma foto de algo real, de preferência inusitado, com um pokémon é uma foto engraçada e partilhável. Já foram “avistados” pokémons nas casas de todos nós, nos carros, em casas de banho ou até na cama, mas dizem que não era o que parecia!
2 – É um jogo ativo que obriga à movimentação, à procura e que transforma momentos chatos e em algo um pouco mais fun.
3 – Beneficiou do efeito bola de neve porque entrou nas conversas pelo sucesso e isso potenciou a sua notoriedade e curiosidade.
4 – Criou um sentido de comunidade. Faz os consumidores ser parte de algo maior
Sociologicamente vemos que o jogo, não só este em particular, mas a lógica do jogo, passou a ser parte integrante da vida das novas gerações e as marcas podem, e em alguns casos devem, integrar lógicas de jogo na sua relação com os consumidores. O jogo passa a ser uma das formas de acrescentar valor social (social currency) às vidas dos seus consumidores e quem melhor o souber explorar mais dividendos daí retirará.
Até agora tudo o que se viu tem sido incipiente ou até caricato mas a Nintendo sabe o potencial que tem entre mãos e vai explorá-lo rapidamente. Pode não impactar as contas do semestre mas o marketing e a comunicação não ficarão como estão.
As marcas que sempre interagiram fisicamente com os consumidores nas lojas ou em casa, e também via publicidade e conteúdo, agora têm nos jogos a possibilidade de alargar essa interação a qualquer lado e a qualquer altura.
Gaming is the new Black.