Não é preciso ser um estudioso da obra de Fernando Pessoa para perceber que há citações pessoanas para todos os gostos e momentos. A obra de Pessoa, está para as redes sociais como um oráculo de pensamentos a partilhar. Serve de legenda de foto, serve para acompanhar o perfil do tinder, para postar com uma paisagem de fundo, ou mesmo como indireta para o ex. E se esta é a manifestação menos nobre e prestigiante do génio pessoano, não deixa de ser a mais corriqueira e omnipresente nos quotidianos do século que agora atinge a maioridade.
Entre as categorias de frases-de-Pessoa-para-partilhar, a mais recorrente é a falsa-citação. Nomeadamente aquela que, na verdade, não pertence ao poeta, mas muita gente parece acreditar que sim. É o caso do apócrifo Pedras no caminho? Guardo-as todas! Um dia vou construir o meu castelo. Quem nunca se cruzou com este clássico nas redes? Partilhado por aquela pessoa sofrida que enfrenta a vida com estoicismo, mas não percebe nada de literatura. E nunca, com pena minha, pela classe dos nefrologistas. Os únicos para quem esta frase faz mais do que sentido, já que ganham dinheiro com pedras nos rins alheios, na esperança de comprar uma casita de praia antes da meia-idade.
Outra recorrente citação (esta mesmo) de Pessoa, é a do mar salgado e de quanto do seu sal são lágrimas de Portugal. Um expressivo verso, que descreve eficazmente a ligação histórica do povo português ao mar, como ponto de partida, fonte de saudade, separação e angústia. E que entretanto tem vindo a ser “substituído” no Brasil por uma rima do rapper Emicida que, sem saber da existência dessa frase de Pessoa, “respondeu-lhe” com igual eficácia, angariando a identificação de toda uma geração de ouvintes de Rap afro-brasileiros. Assim sendo, e porque me parece mais verdadeira e justa esta nova versão, proponho que passemos a citar antes Emicida, escrevendo no mural que O tempero do mar foi lágrima de preto!
Há, porém, uma citação pessoana clássica, daquelas que os gabarolas pseudo-diseurs gostavam de exibir no tempo do analógico, com voz colocada, para impressionar as hostes, que caiu em desuso na era digital. É o caso daquela O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. Que tinha espaço nas salas de visitas, na memória dos cavalheiros e no tempo em que ainda se falava dos poetas com reverência, mas que hoje não se ouve citar. Até porque toda a gente sabe que os poetas já não existem e que isso de dizer versos socialmente é coisa que se guarda para as redes sociais.
Depois, há a frase que ascende a expressão idiomática – Primeiro estranha-se, depois entranha-se. Escrita por Pessoa para a primeira publicidade à Coca-Cola em Portugal. E que, como o Há mar e mar há ir e voltar de Alexandre O’Neill, para a campanha de segurança nas praias, já faz parte da lista dos provérbios portugueses. Acontece que a frase de Pessoa para a Coca-Cola acabou por ser mais eficiente como ditado popular e legenda de foto de facebook, do que foi como slogan publicitário, visto que reforçou a suspeita das autoridades em relação ao produto, por ser supostamente viciante e conter cocaína na receita, levando à sua proibição. E lá teve o importador de deitar ao Tejo toda a remessa importada e viver com o prejuízo.
Finalmente, a minha favorita e mood do dia a partilhar pelo menos uma vez por mês: Come chocolates, pequena; Come chocolates! Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. Verso indiscutível, solidário com todas as mulheres, pioneiro no que a ciência veio a comprovar mais tarde, na constatação de que o chocolate estimula a serotonina, pecando apenas por falta de ambição. Já que eu acrescentaria que, não só não há mais metafísica do que chocolates, como também não há nada de mais concreto. Até na forma! É que eu cultivo a teoria de que o chocolate vem em tabletes para poder passar debaixo da porta nos dias piores. E, de facto, meus amigos, não há mais pragmatismo no mundo senão isso.
se passa. É de propósito.
O vocabulário económico-financeiro é a um tempo mais imaginativo e mais simples do que o do futebol, uma vez que consiste numa tentativa de dizer sempre a mesma coisa mas de modos obscuros diferentes. Por exemplo, “créditos subprime” significa, na verdade, “ganância de sacar o máximo dinheiro a quem deseja comprar casa”. “Produtos de risco” quer dizer “ganância superior à ganância habitual”. “Chancela de qualidade das agências de rating” significa “licença para ser ganancioso”. “Non-performing loans” é outro modo de descrever “casos em que a ganância era de tal forma desmedida que acabou por correr tragicamente mal”. E é tudo. Posto isto, não há muito mais a fazer do que uma pessoa entreter-se e ir para a cama descansada.
(Crónica publicada na VISÃO 1334, de 27 de setembro de 2018)