Não há nada que nos esmague mais do que a ciência. É uma brutalidade. O conhecimento científico passa por cima da nossa inocência como um elefante desdenhoso a pisar um formigueiro. É horrível! Remédio santo para megalomanias, egocentrismos e ingenuidades, e para nos situar na nossa insignificância microscópica. Já diz a frase batida que a ignorância é uma bênção. Verdade verdadinha.
Não admira que a religião se recuse a incorporar o conhecimento científico nas suas narrativas e continue a explicar a origem do mundo com fábulas que envolvem folhas de parra, maçãs e serpentes que falam. O que seria dos pobres mortais que não têm o arcaboiço dos céticos, dos ateus, dos niilistas, dos punks e outros kamikazes? É que gente como a gente precisa de um sentido para a vida. Precisa de uma nesga de esperança para sair da cama de manhã, e que lhe aconcheguem as mantas da existência para poder pregar olho à noite. (Haja humor, amor e tainadas para atenuar toda esta inconsequência).
Cometi o erro de ir a um planetário e a um museu de história natural. Eu, que não aguento filmes tristes, que tenho medo da morte e que sou tão hipocondríaca que me acho hipocondríaca, mesmo que a minha psicóloga garanta que não. Fui assim na loucura, assumindo o risco de aprofundar o meu desamparo primitivo. E claro, como era esperado, mal a abóbada se iluminou de estrelas, o meu peito escureceu e acendeu-se angústia da pequenez incomensurável.
Quem me mandou ir ao planetário? Devia ter ido ao shopping. Já sabia que não estava preparada para um universo infinito que se expande continuamente. Para a ilusão dessa luz com milhões de anos que nos chega atrasada. Para a cartografia impossível da permanente mutação cósmica. Para relembrar Carl Sagan e aquela frase de que há mais estrelas no universo do que grãos de areia na superfície da Terra. E para concluir, que se tudo nasceu de uma explosão mastodôntica, que continua a acontecer as we speak, a nossa pequena esfera em movimento, é mesmo só um cisco no tempo-espaço. Um pontinho azul num eterno manto de vácuo, pintalgado de minúsculos borbotos de fogo.
Quem me mandou ir ao museu? Devia ter ido ao parque. Já sabia que não estava preparada para saber que, dentro desse cisco com bilhões de anos a que chamamos casa, os símios primitivos só chegaram há meia horita (ou seja, há milhões de anos) e que o homo sapiens só tem cinco minutos (o que quer dizer centenas de milhares de anos)! Ora se há bípedes a fazer pela vida, neste grãozinho em movimento, há mais tempo do que eu consigo imaginar, dentro de uma explosão infinita, cuja dimensão não consigo sequer conceber, por falta de sistema operativo com envergadura para tal, resta-me constatar que a minha existência é um ápice. Um nanossegundo. Na-di-ca-de-na-da.
Quem me ensinou isto dos planetas pela primeira vez foi o meu avô Alexandre com umas laranjas na mão. Ele sabia tudo, sobretudo sobre as coisas que eu nunca conseguirei entender. Ao contrário dele, não nasci com o tipo de inteligência abstrata, necessária para a matemática, a química, a física e a astronomia. Perceber o que é um número elevado a menos trinta e seis é, para mim, o mesmo que perceber a existência de deus. Ou seja, uma questão de fé (que eu não tenho). E ele que era agnóstico, acreditava na ciência acima de tudo. Sobretudo na física. Ora eu, que não consigo sequer entender a matemática do quinto ano, cultivo a esperança de, com a idade, encontrar a fé, a ver se consigo ser mais serena do que ele foi na velhice.
Um dia, já bem no fim da vida e com a cabeça confusa, pediu-me que lhe fosse buscar dois livros: um amarelo de lombada grossa e outro com umas coisas verdes na capa. Lá fui eu, solícita, procurá-los à estante da sala. Um era um manual de física. O outro chamava-se “como manter-se jovem”. Ele era bem mais hipocondríaco do que eu. E, tenho para mim, que isso da ciência não ajudou nada.
(Crónica publicada na VISÃO 1308 de 30 de março)