Na atual tendência para a repetição de juízos ou opiniões, como se fossem factos, pela maioria dos media e dos incontáveis comentadores – repetição inclusive de imprecisões, erros, até disparates, que por força dela se vão tornando como que obviedades –, já se estabeleceu haver da parte PSD de Rui Rio uma “aproximação” ao PS de António Costa. E, pelo que li, um político como Marques Mendes, o ex-líder do PSD que continua ativo como político e no PSD, agora sobretudo via TV, já sentenciou que “o PSD não está a fazer oposição”.
Aquela repetição limita-se a, por um lado, prolongar o que já era o principal pseudoargumento dos adversários de Rio na luta pela liderança, que ele ganhou; e, por outro, é mais uma prova de que após o período do radicalismo agressivo, na substância e (pelo menos parlamentarmente) na forma, da era Passos Coelho, tudo o que seja tentar regressar à matriz social-democrata do PSD e fazer política de uma forma mais cordata, mais civilizada, mais genuinamente democrática, constitui para alguns uma concessão ao “inimigo”, se não uma “traição”… O que, para não usar uma linguagem demasiado crua, e porque isso serve melhor os adversários internos de Rio, é traduzido por “aproximação” ao PS.
Ora, do que se pode falar é, quanto à substância, de indícios de “(re)aproximação” aos princípios fundadores do partido e ao pensamento de Sá Carneiro; e, quanto à forma, de sinais de pacificação ou normalização da vida democrática. Após o impensável período em que um líder do PSD considerou “fraudulento” o Governo legítimo e o partido no Parlamento muitas vezes teve posturas mais tributárias do cacete do que do sadio debate de ideias que se impõe em democracia. (Sem esquecer que, a contestada vice de Rio, Elina Fraga, já produziu uma afirmação do mesmo nível ao referir a sua “repugnância” pelo atual Governo, “por ser de esquerda”.)
Só pode ser vantajoso para o País existir entre todos os partidos, e em particular entre PS e PSD, um diálogo sério e aberto, sobretudo tendo em vista encontrar caminhos, convergências, para resolver questões que se prolongam para lá de uma só legislatura. Não se pode ou deve afastar ninguém. Uma das virtudes da atual solução política foi acabar com o nefasto e não democrático conceito de “arco da governação”, que mantinham PCP e BE numa espécie de gueto. E tudo aconselha, tendo em vista resultados que ultrapassaram as melhores expectativas, que ela se mantenha e porventura aprofunde. O que não exclui de nenhuma forma o diálogo e possíveis entendimentos entre PS e PSD. Inclusive só a dois – como só a dois os pode haver entre quaisquer outros partidos. BE e PCP devem exigir que o PS cumpra o que está nos acordos com eles celebrados e não permita que ninguém os queira excluir ou secundarizar. Mas seria um grave erro considerarem o diálogo PS/PSD contrário ao atual acordo de incidência governativa ou impeditivo de outro acordo futuro. Face aos populismos e extremismos que vão sempre ganhando terreno, os partidos e os políticos democráticos, tradicionais no bom sentido, de todos os quadrantes, deveriam para um pouco para pensar – sobretudo nas suas responsabilidades, pelas suas práticas, no surgimento e crescimento de tais populismos
(Artigo publicado na VISÃO 1305, de 8 de março de 2018)