Rui Rio tem à sua frente, dentro do PSD, um terreno pouco propício ao que pretende que seja o seu caminho – tem mesmo um terreno bastante “minado”. Como é natural, quis-se que a imagem dominante do seu Congresso fosse de unidade, para fortalecer o partido tão fragilizado como se viu nas eleições autárquicas. E tal unidade, pela qual Rio fez e disse tudo que podia – e talvez até mais do que devia, no discurso de abertura -, supunha-se assegurada pela posição do seu adversário na disputa interna, Santana Lopes. Ou seja, pelo acordo a que ambos chegaram, até para apresentar uma lista comum ao Conselho Nacional. Porém, apesar disso, não foi uma imagem de unidade, quase nem de verniz de unidade, que saiu do Congresso – sem que a Santana e seus apoiantes próximos se possam imputar responsabilidades. Aliás, se ele teve também o apoio dos fervorosos seguidores de Passos Coelho, esse apoio foi sobretudo tático, por o considerarem o “mal menor”.
Tal imagem, de quase nem verniz de unidade, não resultou tanto, creio, do resultado das votações para os órgãos do partido, quanto de outras razões mais de fundo. Tais resultados deveram-se a razões circunstanciais e em geral habituais, acrescentadas do notório erro da escolha para a comissão política da ex, e não reeleita, bastonária da Ordem dos Advogados, Elina Fraga. Mais de fundo foi o que transpareceu do entusiasmo e dos aplausos, ou da falta deles, de várias intervenções e reações, de certo clima… E vou direto ao cerne do problema: a ideologia e a prática dominantes nos cerca de oito anos em que o agora internamente tão elogiado Passos Coelho liderou o partido, quer aqueles em que esteve no Governo, quer aqueles em que esteve na oposição, sobretudo ao atual Governo, no imediato tornam muito difícil que uma boa parte do PSD aceite o que Rui Rio deseja mudar, e até o seu estilo.
E o que Rui Rio deseja mudar, ou penso que deseja, com base no que disse – e admitindo que não disse mais por óbvios motivos de oportunidade política, na hora da liturgia dos encómios ao líder cessante -, vai, além do resto, no sentido de o PSD: 1) defender orientações e políticas, mormente sociais, consentâneas com a social-democracia que o inspirou e de que se reclama, o que implica um seu “recentramento”; b) colocar o interesse nacional em primeiro lugar, o que exige vontade e capacidade de diálogo com partidos e forças sociais sem discriminações, e com a própria sociedade, para se encontrar consensos e celebrar acordos de médio/longo prazo sobre grandes opções do País; c) fazer política com mais qualidade e menos agressividade, tendo sempre em vista a primazia daquele interesse, contribuindo para aumentar o prestígio de instituições como o Parlamento e dos próprios políticos; d) ser oposição firme a António Costa e seu Governo, mas sem o demonizar como o seu antecessor – o que aliás só pode favorecer o PSD.
Mas será que os Relvas, os Montenegros e o seu herdeiro Hugo Soares, outros da mesma escola, o vão compreender? Ou, compreendendo, não falarão mais alto outros desígnios? E será que Rio terá coragem, força e talento para não ceder no essencial e chegar à meta? Só o tempo dirá.
(Artigo publicado na VISÃO 1303, de 22 de fevereiro de 2018)