Aqui estou eu para falar de um problema de primeiro mundo. Despudoradamente e acalentada pela desculpa esfarrapada de que, atrelada ao queixume, virá uma urgente reflexão sobre a linguagem e a forma como expressamos emoções nos dias que correm. (“Dias que correm” é, aliás, uma expressão muito apropriada. Antes caminhassem ou dançassem ao ritmo da nossa estamina. Mas não. Correm e não é pouco. Rosas Motas implacáveis com 24 horas em fast forward que, à medida que a vida avança, vão encolhendo como os ossos. Mas não é esse o problema desta vez, até porque a passagem vertiginosa do tempo não assola só o primeiro mundo, infelizmente). Venho falar-vos de emojis e do flagelo que representa sentir saudades deles. Sei que a multidão franze o sobrolho, mas peço que não me julguem já por esta última frase, até porque a minha estupefação não é menor ao escrevê-la.
Venho confessar que estou em abstinência de emojis e não tem sido fácil o desmame. Acontece que troquei de telemóvel para um aparelho em tudo melhor do que o anterior. Mais bateria, mais memória, melhor câmara, tudo ótimo! E depois de alguns dias de adaptação, confesso até que foi com satisfação e alívio que notei a minha destreza habitual, dedo pra cá, dedo pra lá, mesmo com um aparelho intimidantemente novo em mãos.
Passados alguns meses sem queixas, só uma coisa ainda me faz falta, como a Filipe II naquele poema de António Gedeão. A ele, um fecho-éclair, a mim, os emojis. =( (Peço, aliás, atenção para a carinha triste que introduzi aqui com recurso à pontuação, à falta de melhor). Não que o novo aparelho não tenha emojis – mas não são os mesmos. E, parecendo que não, trocar os emojis do costume por outros supostamente parecidos é como trocar de abecedário para um que é equivalente, mas não é exatamente igual.
Eu sei que isto de escrever com emojis é um retrocesso civilizacional e que voltar aos hieróglifos é só estúpido. Mas eu peço que me perdoem esta fraqueza, explicando que eu gosto mesmo de palavras e que nunca cometi a deslealdade de as substituir por bolinhas amarelas. No rap,
nas crónicas, na oralidade, ninguém precisa de nada disso. Para a emoção, existe a voz e a entoação. O espaço da prosa e suas palavras pensadas. A expressão facial e o gesto. (Tudo isto respetivamente.)
Mas em SMS, posts e legendas de fotos, sem um sorrisinho para dar uma cor ao discurso, complementando-o, fica tudo meio telegráfico.
Soa a voz de robô no imperativo. Ou então temos de gastar muitos carateres, para humanizar a coisa.
Sem o emoji a orientar a frase para a emoção certa, a ironia não se lê (a não ser que se conheça muito bem o autor da frase). A voz doce, que entoaria um pedido dengoso, soa a dedo apontado na direção da tarefa, a alegria não fica tão festiva e a tristeza confunde-se com secura… O mundo cinzento dos zeros e uns fica sem make up para dar um rougezito, e isso, nos dias que sprintam, é um problema, porque
as SMS, os posts e as legendas são uma constante da vida.
Ora, estava eu a dizer que o meu novo aparelho tem emojis que supostamente correspondem aos antigos. Pois, o problema está no supostamente. É que perante o novo código, deparei com um problema que não sabia que existia (quando usava feliz e despreocupadamente os meus velhos sorrisinhos). Percebi finalmente que os emojis são diferentes, consoante a coleção de bonequinhos que cada telefone tem, e que, quando pomos uma carinha, ela pode não aparecer sequer do outro lado, sendo substituída por um X, por não haver correspondência no telefone de destino. Ou, pior ainda, pode ser convertida num suposto correspondente, no sistema operativo do outro! E é essa conversão tosca e insensível que nos desprotege. Como é que as variações de sorriso e as subtilezas da expressão e, portanto, da emoção vão ser garantidas? Não são. Por isso é que já não se pode confiar em emojis.
(Crónica publicada na VISÃO 1300 de 1 de fevereiro)