Dois títulos muito recentes na imprensa portuguesa: primeiro, “Portugal precisa de 75 mil imigrantes por ano para manter população ativa”; segundo, “Portugal perdeu 65 mil imigrantes em seis anos”. Da noção da realidade feita do somatório dos dois títulos resulta uma consequência cristalina: a mudança de política de imigração em Portugal, que favoreça o acolhimento de pessoas que buscam o nosso país, é uma das mais importantes reformas estruturais que está por fazer no país.
Que um país envelhecido precisa de imigrantes é uma verdade quase lapalissiana. Estimam os estudiosos que essa carência se cifra em 47 mil imigrantes por ano para manter os 10,4 milhões de residentes que somos atualmente e em 75 mil para manter a dimensão da população ativa. Precisamos de imigrantes para termos uma segurança social sustentável, precisamos de imigrantes para termos desempenhos profissionais diversificados, precisamos de imigrantes para combater a desertificação do interior. E, já agora, precisamos de imigrantes porque a diversidade nos enriquece em todos os planos.
Não são, pois, razões de idealismo adolescente que fundamentam uma maior abertura à vinda de imigrantes para Portugal. E que fossem: sem idealismo as sociedades tornam-se meras gestoras da quietude. Mas não. É a razoabilidade. Ou mesmo o utilitarismo. É tudo isso ao mesmo tempo.
Sucede que a austeridade nos empobreceu também em gente estrangeira a querer viver e trabalhar aqui. Durante os anos de chumbo da austeridade, perdemos em termos absolutos (os estrangeiros a viver em Portugal são hoje menos 65 mil do que em 2011) e perdemos em termos relativos: o saldo entre imigração e emigração foi, em 2015, de -10.500 pessoas e já tenha sido de -37.400 em 2012 e de -30.100 em 2014.
Há, pois, uma reforma estrutural a fazer com a máxima das urgências. E esta não é de corte e de empobrecimento, é de acrescento e de enriquecimento. Essa reforma tem duas frentes. A primeira é a de uma política de imigração que estime os imigrantes em vez de suspeitar deles. A segunda é a da regularização urgente dos milhares de imigrantes indocumentados que têm aqui a sua vida e o seu sustento.
O discurso sobre o “Portugal humanista” que generosamente acolhe refugiados e é solidário com as vítimas das calamidades contrasta claramente com a prática de um Estado que demora meses (anos…) a atribuir uma autorização de residência a alguém que trabalha aqui, vive aqui, desconta para a Segurança Social aqui mas tem a desdita de não ser rico e elegível para lhe ser dado com velocidade vertiginosa um visto gold. Para os pobres que querem trabalhar numa mercearia ou nas obras há toda a suspeita de serem “ilegais”, membros de redes de tráfico, senão mesmo potenciais terroristas. Já a quem acena com uns milhões para comprar uma vivenda de luxo estende-se o tapete vermelho, mesmo que depois se prove que os milhões vieram do branqueamento ou do tal tráfico de que os pobres são suspeitos. Por dever de coerência com o apregoado respeito de Portugal pelos direitos humanos e por inteligência estratégica do País, não é mais possível sermos complacentes com um entendimento policial da política de imigração e com a inerente cultura de discricionariedade do Estado para com estas pessoas.
É por tudo isto que uma lei da nacionalidade que torna imigrantes em Portugal – e, na prática, cidadãos de segunda – quem aqui nasce mas fica legalmente amarrado à nacionalidade dos pais e, com ela, a um país que, de facto não é o seu porque nele não tem raízes nem relações é uma lei injusta e insensata.
O que se conseguir mudando a lei terá efeitos só a prazo. Isso impõe que se atue já na regularização da bolsa de indocumentados que se acumula em Portugal. Essa bolsa é um atentado aos direitos humanos e um recurso de economia barata que um Estado de Direito não pode aceitar.
Não há álibis – europeus ou nacionais – para iludir a urgência desta reforma estrutural. Nela se joga algo essencial do nosso futuro. E da vida de muitas pessoas. Sim, pessoas.
(Artigo publicado na VISÃO 1270, de 6 de julho de 2017)