Sempre que há uma edição temática como esta, a primeira tentação é dar palco ao tema central do que fazemos ao clima e do que, fazendo ao clima, fazemos à nossa vidinha. Alterações climáticas. Dá sempre para uma catilinária contra os “poderosos”, os grandes interesses, e tem aquela qualidade que alivia dos grandes problemas: a distância. A solução não está ao nosso alcance, não é?
Se calhar até está muito. Se calhar, menos garra no Facebook e mais empenho em pequenos gestos, menos distração e comodismo e, tudo somado, ainda fazíamos a revolução.
Mas, enfim, vamos falar de coisas mais simples e prosaicas. De lixo, dos resíduos como é bonito dizer que são, afinal de contas, a face mais visível da poluição.
É fácil sentir que o problema do lixo nos diz respeito. No que fazemos ou não fazemos. No que podemos exigir de quem decide mais perto, das autarquias ao Governo.
Em três décadas, fomos do desinteresse pela realidade a uma vontade de a modelar muito pouco realista. Agora parecemos retomar, nos propósitos, um certo bom senso que a realidade, infelizmente, ainda não incorpora.
Até aos anos 80, aproveitávamos do lixo apenas e só o que tinha valor, pouco mais que o metal da sucata para as siderurgias e boa parte óleos e outros hidrocarbonetos usados para os fornos que aparecessem no caminho. Ou seja, se havia valor tudo se resolvia, para o resto bastava espaço para ir amontoando.
Depois os incêndios nas lixeiras e os aquíferos contaminados tornaram-se demasiado frequentes.
Foi nessa altura que a União Europeia também acordou para a coisa. E, mais uma vez, apanhámos um comboio que de outra maneira não seria o nosso. Em vinte anos, do transporte, primeiro, ao tratamento depois, tudo acabou por ter regras no lixo.
Em pouco tempo, as lixeiras deram lugar aos aterros. Uma parte do lixo, pequena, passou a ser queimada. Aos poucos, começou a pensar-se na reciclagem. E depois foi preciso pensar em quem a pagava. Os impostos ou os produtos que se vão fazer lixo? E resolvido este dilema, a reciclagem, de facto, progrediu bastante.
A seguir complicámos muitas coisas simples e os burocratas de Bruxelas, com os entusiastas de cá, criaram uma babel de legislação, regulamentos e miudezas que a realidade acomodou da pior maneira.
O resultado foi que fomos do nada, do empurra o lixo para o vizinho, a uma competição pela matéria-prima que nos sai e muito do bolso sem que verdadeiramente déssemos por isso, agora que se criou uma indústria sobredimensionada que tem de fazer pela vida.
Depois de tanto exagero, a economia circular não é mais que um regresso a princípios básicos: um resíduo é um recurso fora de sítio e é preciso num mundo escasso de matérias-primas encontrar uma forma de lhe dar utilidade em vez de o enterrar no chão. Os resíduos são materiais e energia que devíamos ter mais tempo no circuito do consumo.
Mas lá nos deixamos ir na conversa de que o inimigo da reciclagem é a valorização energética e, por isso, continuamos a desperdiçar muita energia. Passámos a década passada a criar megaestruturas para fazer festas ao lixo e no fim o enterrar de novo.
São também muitos os materiais que têm o tratamento pesado e burocrático dos resíduos sem necessidade de saúde pública ou ambiente que o justifique. E, este ano, sem darmos por isso, a reciclagem das embalagens vai custar mais um terço nos produtos que compramos.
E, portanto, este escrito não termina com um apelo à separação do lixo. Já nos presumo mais civilizados que isso. Termina com uma apelo à vigilância do que pagamos.
Desde logo nas taxas municipais. As pessoas não sabem quanto pagam pelos serviços ambientais (água, esgotos, saneamento). É preciso criar uma conta corrente consolidada para cada imóvel para que cada um possa saber quanto paga ao seu município (incluindo o IMI) e quais as diferentes parcelas em que se dividem os pagamentos (património, consumos de água, gestão de resíduos, saneamento, redes de telecomunicações).
A outra coisa urgente era assumir com visibilidade nas faturas dos produtos todos os custos da reciclagem.
Estou mesmo convencido que a vigiar custos encontraremos as mais razoáveis soluções e já vai sendo tempo de construir uma sociedade exigente que nos proteja do disparate. Ano de eleições autárquicas, vamos a isso?
(Artigo publicado na VISÃO 1264, de 25 de maio de 2017)