Nas últimas décadas, um curioso fenómeno de diluição de fronteiras entre as esferas da política e do entretenimento tem ganhado expressão em vários países. Estas esferas foram, durante muito tempo, entendidas como sendo – e devendo ser – absolutamente separadas (afinal, a política é uma coisa séria, e as coisas sérias não entretêm nem devem entreter), mas há inegavelmente uma progressiva inversão desta tendência. Os casos da Itália e dos Estados Unidos são, deste ponto de vista, paradigmáticos, embora este fenómeno, com variações e especificidades nacionais, possa ser encontrado em muitos outros países, do Brasil a Portugal, da Inglaterra à Austrália, da Guatemala à Nigéria.
No ensaio Política e Entretenimento, exploro dois fenómenos interligados através dos quais esta aproximação tem vindo a tomar lugar. O primeiro é uma maior abertura dos conteúdos televisivos de entretenimento aos temas e protagonistas políticos. Apesar de a política ser alvo de sátira desde tempos remotos, nos dias de hoje é muito comum encontrar não somente programas de humor sobre política, mas programas de humor com a participação dos próprios políticos. Veja-se, por exemplo, a recente presença de Hillary Clinton e Donald Trump no Saturday Night Live, ou, por cá, a participação de vários líderes políticos em programas como Isso é Tudo Muito Bonito, Mas ou 5 Para a Meia-Noite. Este fenómeno inclui ainda a presença de políticos em programas de daytime TV, o sucesso da ficção televisiva que retrata os bastidores da política (vejam-se os fenómenos Borgen e House of Cards), a participação de políticos em reality shows, cameos ou – pasme-se! – concursos para identificar talentos políticos. O segundo fenómeno é a celebrização da política: políticos que se comportam como celebridades e celebridades do mundo do espectáculo que se dedicam a atividades políticas. São inúmeros os casos a destacar – desde chefes de Estado ou de governo com passados cinematográficos ou televisivos a líderes políticos que constroem uma imagem significativamente distinta da do político tradicional: uma espécie de self-made man meets rock star. Barack Obama, Silvio Berlusconi ou Matteo Renzi são disto exemplo.
Quais são as consequências destes fenómenos? As opiniões dividem-se. Alguns autores defendem que o entretenimento político e a celebrização da política combatem o cada vez maior afastamento das pessoas em relação à política. Afinal, nalguns casos, promovem o interesse pela política e o conhecimento do funcionamento das instituições e dos assuntos mais importantes da atualidade, sendo que alguns programas de entretenimento funcionam mesmo como portas de reingresso nas audiências dos noticiários e programas de informação. Por outro lado, o enquadramento que a política recebe nalguns programas deste tipo pode aumentar os níveis de desconfiança e de afastamento dos cidadãos; para além disso, quando a comunicação política é excessivamente centrada em características de personalidade com relevância política nula ou aposta na afirmação de uma política de estilo de vida (veja-se o caso Berlusconi), pode levar a uma quebra da qualidade do processo democrático. Por fim, há quem defenda que secundarizar os aspetos sérios e complexos da política corresponde a extirpar da mesma aquilo que ela tem de mais importante, num processo em que todos os envolvidos – políticos, media e cidadãos – ficam a perder.
Em suma, a espetacularização e celebrização da política não são fenómenos a aplaudir ou a demonizar imediatamente. Os detalhes importam, e a intensidade com que estes fenómenos tomam lugar também. O que é inegável é que estas são duas interessantes facetas da transição para uma “democracia de audiências”, resultado de uma mistura explosiva de desinteresse dos cidadãos pelas formas tradicionais de participação política, crescente importância das lideranças partidárias nas escolhas políticas e uso da televisão como principal fonte de informação política e meio privilegiado de comunicação entre representantes e representados.