O Luxemburgo esteve recentemente no centro das atenções nas redes sociais por causa de uma notícia sobre transportes públicos.
Depois de o novo governo ter apresentado, no final de novembro, o programa para os próximos cinco anos, um dos projetos anunciados pelo executivo suscitou a atenção de algumas agências noticiosas, nomeadamente da Reuters.
Esta agência lançou uma notícia com base numa das medidas apresentadas pelo primeiro-ministro Xavier Bettel: “O Luxemburgo está prestes a ser o primeiro país com transportes públicos gratuitos”. O texto original da Reuters, retomado tal e qual por vários jornais de língua inglesa foi fielmente reproduzido por meios de comunicação como o The Guardian que anuncia: “Luxembourg is set to become the first country in the world to make all its public transport free”.
Até aqui tudo bem, mas nas horas que se seguem o “to become” (que em português dá o sentido de “está prestes”) desapareceu das notícias e liam-se títulos nos jornais a afirmarem que o Luxemburgo já era o primeiro país do mundo com transportes públicos gratuitos. Uma das manchetes mais entusiasmantes dizia que “Luxembourg just made all public transit free” (“O Luxemburgo tornou gratuitos todos os transportes públicos”), acrescentando que muitos outros países se preparam para seguir o exemplo do Grão-ducado.
Pior: as redes sociais encheram-se de publicações, nomeadamente de vídeos, muitos deles extremamente bem elaborados, a anunciar que o Luxemburgo tinha sido o primeiro país a tornar os transportes gratuitos para todos, elogiando a coragem do Grão-Ducado e o caráter pioneiro dessa iniciativa.
Nem a gratuitidade dos transportes é ainda um facto nem a medida é pioneira. Muitas das notícias confundiram o país e a sua capital: enquanto titulam que o país será o primeiro a ter transportes gratuitos referem-se em seguida os seus “cento e tal mil habitantes” e não aos mais de 600 mil moradores do Grão-Ducado.
O mais surpreendente foi ver muitos luxemburgueses e estrangeiros residentes no Luxemburgo (nomeadamente um grande número de portugueses) partilharem no Facebook os vídeos que anunciam os transportes gratuitos como um facto consumado. Suponho que a maioria dessas pessoas não utiliza transportes públicos e, por isso, não poderá nunca saber se alguma coisa mudou. Bastava-lhes que tivessem apanhado o autocarro para descobrir que a viagem sem bilhete pode custar uma multa de 150 euros.
Para esta iniciativa do governo luxemburguês deve ter contribuído o facto de o partido ecologista Déi Gréng ter reforçado a sua votação nas eleições de outubro. Uma das consequências desse bom resultado eleitoral foi também a “promoção” do ministro lusodescendente Félix Braz a vice-primeiro-ministro, acumulando esta função com a de ministro da Justiça, pasta que já detinha no anterior executivo.
Os Verdes terão obtido a concessão no que diz respeito aos transportes públicos por parte dos outros partidos da coligação (liberais e socialistas) usando fortes argumentos, tais como combater o alto nível de poluição que se regista no país, além de um problema de engarrafamentos que todas as manhãs e noites entope as auto-estradas do país quando os trabalhadores franceses, belgas e alemães atravessam a fronteira para irem trabalhar no Luxemburgo ou para regressarem a casa.
Não há dúvida de que uma decisão como a de tornar gratuitos os transportes é o tipo de notícia que tem impacto nas redes sociais. Qualquer título que comece por “O primeiro país que…” terá sempre um número importante de cliques, mas este caso de falsa informação – felizmente quase anódina – é exemplar pois demonstra bem os riscos da informação veiculada por não profissionais e o poder assustador que têm as redes sociais para propagar falsas notícias, inclusivamente junto de pessoas que vivem no local a que a notícia se refere. Imaginem quando se trata de algo que acontece do outro lado do mundo? Quais são as possibilidades que temos enquanto leitores de validar a informação?
E já agora, em que ficamos quanto aos transportes públicos no Luxemburgo? Pelos vistos, fontes do Ministério do Desenvolvimento Sustentável e das Infraestruturas disseram à imprensa durante o mês de dezembro que a gratuitidade dos transportes públicos poderá ser uma realidade no início de 2020. Modesto, o porta-voz do ministério, recordou ainda que, por exemplo, Tallin, a capital da Estónia, já tem transportes públicos gratuitos desde 2013 e que o Luxemburgo está a observar todas essas experiências antes de adotar legislação nesse sentido.