Costumo dirigir-me até a costa para sentir mais perto de casa, especialmente quando estou com algumas saudades, naqueles dias de nevoeiro intenso em Ljubljana onde moro. Passei a minha juventude a viver junto ao mar na Caparica e talvez por isso, uma parte muito importante de mim está relacionada com o imaginário da paisagem costeira, do surf e dos bares de praia com os pés na areia. Tanto assim que fiz questão de ter minha festa de casamento num bar de praia. O mar é um lugar comum no que os Portugueses têm mais saudades, sendo um forte ícone na nossa Cultura. Mas aqui o mar Adriático é muito diferente do nosso oceano: não tem ondas, não é gelado e usualmente as praias não são de areia, e os visitantes usam as rochas para se deitar ao sol. Alguns eslovenos viajam frequentemente a Portugal e as saudades do nosso mar português já não são só nossas. Foram bem captadas na exposição recente do esloveno Primož Zorko, um artista a trazer a Lisboa muito em breve.
A Eslovénia tem costa sim, mas é pequenina. Há praias em que do mesmo ponto se vê a Croácia e a Itália. Há quem diga até por piada que se todos os Eslovenos (que não são muitos, aproximadamente dois milhões) fossem para a praia ao mesmo tempo, teriam que se aguentar num só pé para caberem todos. Há engarrafamentos com os barcos de pesca Eslovenos devido ao curto espaço marítimo nacional e, ainda assim, há disputa pela Croácia desse mesmo espaço. Até o peixe é um pouco diferente: não há peixe espada ou linguado, talvez pela pouca profundidade do Adriático, e até a sardinha é mais pequena e menos gorda (não tem que suportar o frio do nosso mar). Nas celebrações do dia de Portugal em 2017 fizemos sardinha assada, da maior que conseguimos, e mesmo assim não foi fácil arrancá-la da grelha. Mas não há dúvida que o mar é importante nesta cultura que é também mediterrânea, onde encontramos muitos pontos comuns com a nossa.
Quando eu estava prestes a mudar-me para a Eslovénia, e o país estava prestes a entrar na UE, lembro-me de ver uma série de documentários curtos sobre os novos países vizinhos da UE à Áustria. O tema da contribuição eslovena foi a vida dos pescadores e os vários problemas da profissão, devido à curta linha costeira e à ameaça da massa da indústria pesqueira italiana tão próxima. No entanto, a Eslovénia tem pesca e também uma boa referência à aquacultura – Fonda – que analisei enquanto trabalhava num projecto de tecnologia da UE para optimizar esta indústria através de alguns algoritmos recentes de inteligência artificial. É surpreendente o desafio que representa a gestão de dados e produção deste negócio de milhões e as indeterminadas que ainda tem associadas.
Talvez a última das aldeias de pescadores na Eslovénia, Izola, dá-nos um pouco a sensação de estarmos em Sesimbra. Ao contrário de outros pontos desta costa já muito turísticos, aqui ainda se pode sentir o verdadeiro espírito costeiro na paisagem e nas pessoas. Sentado no restaurante Parangal para almoçar junto ao mar, algo que eu realmente aprecio, traz-me mais próximo das raízes. A fantástica sopa de peixe, um prato apreciado por todas as pessoas que vivem junto ao mar, o mexilhão fresco (dagnje) que eu aprendi a gostar na Eslovénia (de longe o bivalve mais popular, a par com a amêijoa que também vai aparecendo, e do lingueirão que é raro na gastronomia e nas pescas). E o peixe fresco do mar acompanhado com o clássico esloveno: espinafres (blitva) com batatas e um copo de vinho branco Malvasia. Para aproveitar tudo isto verdadeiramente, é preciso deixar o ritmo acelerado da capital e sincronizar com o timing local, que é um pouco diferente.
A interessante e indefinida proximidade de Izola com Sesimbra leva-me a pensar num crescimento paralelo entre as duas cidades (um pouco ao nível das twin cities) principalmente no contexto do turismo sustentável. No passado Agosto de 2017 participei em Ljubljana de uma empolgante sessão de um projeto educacional da UE neste sentido, com a participação duma associação de escolas do concelho de Sesimbra – CREF – o Centro de Recursos Educativos e Formação. Esta instituição é, especialmente dedicada à formação de adultos, apoiada pela Câmara Municipal de Sesimbra, e que tem participado em diferentes projetos europeus Erasmus +, sempre procurando envolver as escolas e outras entidades do concelho. Com projeto “Leaders of change”, que explora as diferentes abordagens ao apoio a pequenas empresas em comunidades locais, o CREF trouxe projetos de diversas áreas que mostram bem o papel que a população de Sesimbra está bem enquadrada no progresso local. Em particular, destaco o projeto Portugalska (que é aliás como se diz Portugal em Esloveno) que aproxima os turistas dos habitantes e dos seus hábitos mais tradicionais no contexto do turismo sustentável. Sem dúvida um dos exemplos a seguir pela nossa Izola que ainda tem muito a aprender com Sesimbra.
Embora o tempo de Verão duvidoso que aqui também se faz sentir, a missão é dar um mergulho antes de voltar. Um amigo que morava há vários anos em Izola contou-me da praia de sveti križ, que não era fácil acesso mas valia a pena. Para os eslovenos que estão muito mais habituados às montanhas, as palavras “fácil acesso” podem significar algo diferente que para o português comum. Estacionamos o carro perto da igreja no topo e olhamos para baixo num penhasco a pensar “como é que vamos descer, especialmente com um garoto de três anos e meio”. E vemos alguns moradores indo na direção do penhasco que passamos a seguir. Há um caminho esculpido no penhasco, com cordas de apoio, onde podemos facilmente descer até uma linda baía. Uma paisagem atípica dessa área da linha de costa eslovena, mas algo comum às praias um pouco mais selvagens da costa norte da Croácia.
Ao longe muitos veleiros que se passeiam pelo Adriático, um desporto comum por estas bandas do qual falarei mais em breve, depois de voltar a fazê-lo no final do Verão como uma atividade anual entre colegas de trabalho. Cabelo ao vento que empurra as velas para lucrar com o bom humor da natureza para levar o nosso barco mais adiante, juntamente com bons amigos e algum tempo para gastar. Ao longe no horizonte há várias velas na bela tarde ensolarada. Uma ótima maneira de passar este domingo. E lentamente começamos a voltar para o caminho no penhasco para chegar ao carro e começar a dirigir para casa para Ljubljana. Embora cansados, silenciosamente nenhum de nós quer voltar deste começo de verão.