Existem dois tipos de pessoa. Aquela que vive indiferente à meteorologia, e a que vive intensamente as mudanças climáticas. Sempre fui do primeiro grupo. Embora apreciasse um bom céu azul, os dias de vento sempre me fascinaram. A chuva também ganhou lugar cativo no meu coração e um bom inverno enchia-me a alma. O outono sempre liderou a tabela e sempre foi um gosto ver a primavera a chegar. Aos poucos. Pela calada.
Esta minha passividade para com as alterações das estações mudou radicalmente quando me carimbaram nas costas o rótulo de emigrante. Nunca compreendi o que queriam dizer as pessoas que, de peito cheio, afirmavam que “é horrível viver em Londres, nunca há sol”. A minha experiência, pelo tempo que lá andei, desvaloriza esta ideia. Mas talvez tenha sido o entusiasmo de ter os pés na terra de sua majestade que me fez esquecer o clima. Talvez a recorde com dias de sol que nunca existiram ou dias de chuva que não molha. O amor é cego. E eu sou cega por Londres.
No entanto, a minha querida Macau veio dar-me uma nova lição. Mais uma. É que durante 28 anos, embora eu adorasse o meu país, nunca lhe dei o devido valor no que diz respeito ao clima. Portugal é um país fabuloso. O céu é bonito de morrer, o calor é aconchegante e a chuva é uma chuvinha ao lado de uma tempestade tropical por estes lados. Estamos salvaguardados de tufões e monstros que passam e roubam-nos a estabilidade, deixando apenas o aviso de que nada valemos, nada somos. Num abrir e fechar de olhos. Assim, com essa facilidade.
Aqui acordamos com chuva, calçamos as botas e pensamos “ai, está imenso calor”. Trocamos para os chinelos de dedo, calças arregaçadas para não se molharem e lá vamos nós de poça em poça. Em meia hora a chuva termina, e os 35 graus fazem-se sentir como se fossem 70. Mas o “real feel” é de 41. A humidade é de tal forma, que a senhora da paródia “é da humidade” deveria ganhar uma medalha. Ela tem razão. A culpa é da humidade. Uma humidade que nos faz parecer uns maratonistas em plena ponte 25 de Abril debaixo de temperaturas acima dos 50 graus.
O toque, quando encontramos alguém na rua, é de evitar. As nossas bochechas ou mãos (depende do tipo de confiança) estão suadas e vamos colar. As meninas ficam com buço de água. Umas gotinhas minúsculas que brilham ao longe como sinal luminoso. Os homens ficam com manchas que lhes ocupam toda a parte de trás das camisas e viver com uma gravata nestes dias deveria ser considerado tortura.
Desengane-se quem pensa que é como o fim de uma ida ao ginásio. Não. É como se vivêssemos numa sauna com o termóstato avariado. No máximo. Às vezes custa a respirar e quem, como eu, desenvolveu alergias e derivados pode, eventualmente, passar mesmo mal.
Há ainda um fenómeno que merece a nossa atenção. É que a probabilidade de chover ao fim-de-semana é sempre maior do que à semana. Quando chove, chove a sério. Mas quando andamos naquela fase de ora chove, ora faz sol, os dias de sol calham em plena semana e preferencialmente às horas de ponta. Ao fim-de-semana, quando já estamos todos prontos para mergulhos nas piscinas, passeios na praia e afins, está, pois claro, a chover.
As coisas melhoram no final do ano. As temperaturas vão lentamente descendo e em Janeiro e Fevereiro podemos ter momentos de tremer de frio. Curtos. Fugazes.
Depois há dias como o de hoje. Raros. Que nos surpreendem as manhãs. As vidas. Dias de céu azul, com a temperatura em sintonia a uma brisa perfeita. Dias que mostram uma Macau calma, serena e maternal. Uma Macau que se mostra agradecida. E nós a ela. Passeamo-nos na rua e ela brinca com os nossos cabelos. Dias em que Macau nos convida a sair lá para fora, a conviver, a esquecer aquilo que nos faz mal. Dias em que somos convidados a meter os pés no chão, a sentir a terra e a agradecer. Os dias, os convites, os amigos, a família. Dias que nos fazem pensar em como só damos valor quando perdemos ou quando o alcance não está ali, ao virar da esquina.
Dias que nos lembram, que estamos aqui para sermos felizes. Juntos.