Esta coisa do proteccionismo – uma moda da colecção Outono-Inverno ’16-17 – é um jogo que se pode jogar em qualquer parte e por qualquer macaco. Embora jogar?
O proteccionismo pode assumir muitas e variadas formas: à conversa com um amigo meu português-em-Portugal descobrimos que um fotógrafo italiano aclamava o nosso país como a “pedra preciosa e secreta da Europa” e vendia viagens de exploração fotográfica a centro-europeus que o quisessem acompanhar. Abrimos o site (conversar pela net dá para partilhar estas coisas a tempo real) e descobrimos que o cerne do interesse fotográfico era acima de tudo a colorida etnicidade das nossas festas religiosas e da sua iconografia barroca. Ou seja, Portugal visto como uma espécie de curiosidade antropológica, aldeias com procissões e velhinhas fotografadas para a Internet por centro-europeus com leicas e bonés, em vez das africanas com maminhas ao léu fotografadas para a National Geographic por norte-americanos com nikons e panamás.
O meu amigo suspirou electronicamente: “E nós, a dormir…”.
E nós a dormir – em vez de nos arvorarmos em guias fotográficos da nossa própria cultura, deixamos que venha de fora outrém fazer dinheiro à nossa conta. Aqui na Noruega, se me armo em explorador-antropólogo e aponto a camera a algum traunseunte arrisco-me a levar com um par de skis nas trombas. Acho que os nossos concidadãos do Portugal profundo são excessivamente bonzinhos, sorriem simpaticamente para todos os estrangeiros e têm um maior pendente a perguntar “Atão conte lá como é que é a vida na sua terra?” do que “Atão o que é que você está a fazer com essa merda dessa máquina que lhe a vou escavacar no chão e esfregar-lhe as ventas com ela!”. É este o significado do olhar intimidatório que os noruegueses votam universalmente aos turistas que se passeiem por aqui de máquina fotográfica. E acreditem que este proteccionismo da auto-imagem funciona até com os chineses, que os vejo por aqui de cameras e telemóveis respeitosamente guardados. Era bom que pudéssemos votar um bocadinho menos de bonomia e um bocadinho mais de proteccionismo em Portugal, como parece ditar a moda Outono-Inverno ’16-‘17 mundial. Acho ainda que nos devíamos reapoderar fotograficamente das nossas ruas de colchas nas varandas em procissões de trajes domingueiros; se alguém nos roubar a alma, que seja um português que documente o nosso olhar reflexo e projecte a nossa diferenciação cultural; as mesmas fotografias nas mãos dos estrangeiros podem servir para perpetuar uma certa imagem de atraso civilizacional que se pretende cultivar. Lembro-me de conversar uma vez com uma produtora da Discovery Channel que pensava que Portugal era… era…como no Nazaré, Praia de Pescadores do Leitão de Barros.
Já foi. Mas já não é.
Ou talvez eu esteja, de todo, equivocado. Talvez seja necessário um olhar estrangeiro para perceber verdadeiramente o que ainda é ser português. Mas um italiano a ganhar dinheiro a perpetuar o Portugal profundo traz-me à memória os milhões de fotografias de mafiosi de rua que se traz de Itália, uma imagem à qual nem os mais rápidos Ferrari conseguem fugir. Somos todos, afinal, reféns dos nossos desdéns.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: 157 dias
Nas notícias por aqui: Em 2016, 5482 refugiados à espera de aprovação do seu estatuto desapareceram na Noruega sem deixar rasto. O governo norueguês pondera agora o uso de pulseira para detectar o paradeiro dos refugiados que entrem no país. (fonte)
Sabia que por cá… A forma como os refugiados são acompanhados na Noruega faz parecer super-organizada a proverbial desorganização portuguesa. Há algum tempo, dos 100 refugiados chegados num avião vindo do Iraque só 7 chegaram ao autocarro que estava à sua espera à entrada do aeroporto.
Um número surpreendente: Entre 2015 e 2016 chegaram à Noruega 33 500 refugiados, principalmente do Médio Oriente e de África.