Não preparámos nada para a ceia e o dia foi passado a orientar as obras. Só há um pequeno bairro cristão que tem alguns enfeites mas são tão parecidos com os habituais enfeites das cerimónias hindus que mal se dá pela diferença. As montras das lojas de rua não se enchem de brilhos e tirando o convite da Selly e do Indra para jantar pouco nos diz que é um dia especial.
É o primeiro Natal passado fora de Portugal e a ausência do Inverno, tal como o conhecemos, baralha-nos e tira alguma importância à quadra. Não há pressa para comprar presentes, nem para abastecer o frigorifico porque as lojas não vão estar fechadas. Dia 25 vai ser um dia como os outros por aqui.
A piscina já devia estar concluída e o poço ainda nem começou a ser feito, pelo que no dia 24 de Dezembro as obras, tal como nos outros dias, vão-se estender pela noite dentro.
– Não te preocupes, somos muçulmanos, esta festa é vossa.
Diz o Adi, o empreiteiro de Java que se tornou um amigo e que leva a mulher e o filho, por quem nos apaixonámos, para passar os dias no jardim ainda todo ma amanhado.
Assim, nós saímos de casa e eles continuam a trabalhar. São uns dez funcionários que cantam muito e com quem nos tentamos entender com desenhos no chão quando o Adi, o único da equipa que fala Inglês, está fora por algum motivo. As suas ou as minhas, mesmo que breves, ausências provocam muitos erros de construção e muros e paredes levantam-se para depois serem derrubados e reconstruídos. Um de nós tem sempre se estar presente.
Se nos tivéssemos mudado para o campo em Portugal provavelmente não receberíamos tantas visitas como as que recebemos em Bali, pelo que a mesa de jantar de Natal, tem amigos (meus) que aproveitaram e meteram férias em Dezembro, amigos dos anfitriões e outros que os amigos comuns resolveram convidar. São vários os países à mesa e a Cláudia, que chegou de Edimburgo, sugere um jogo em que cada um tem de contar as suas histórias mais humilhantes. Eu e ela fomos as vencedoras num jogo a que uma grande parte dos convidados se conseguiu escapar.
Os donos da casa vivem há muitos anos em Bali, com os dois filhos, pelo que a casa está enfeitada a preceito e a árvore cheia de luzinhas e a mesa posta como uma qualquer outra mesa de Natal. Mas o menu está adaptado: Galinha, muitos vegetais salteados, e eu aprendi que a a abóbora salteada é fabulosa e desde então estou viciada, e um bolo de chocolate sem glúten para sobremesa. Vinho tinto e Gin.
As roupas e a maquiagem também são mais simples, mas desta vez não estamos de chinelos. Quer dizer, nem todos estamos de chinelos.
Não temos trocas de presentes. Estamos com amigos e um grande espírito de respeito e alegria a trocar receitas culturais e geográficas. Também estamos a cumprir o sonho de estarmos fora nesta época. Às vezes, eu e a minha filha, temos de verbalizar e confirmar uma com a outra isto de estarmos a viver este sonho.
Para a passagem de ano chegaram mais amigas de Portugal e a festa foi em casa de outros amigos. Uma casa lindíssima com parede e portas de vidro para o terraço onde está uma enorme piscina virada para os arrozais.
Nessa semana a luz faltou constantemente no nosso bairro. Com a luz falta-nos também a água por causa dos geradores. Arranjamo-nos às escuras com alguma luz dos telemóveis e lá vamos nós nas nossas motinhas para a festa.
Nesta festa são ainda mais as nacionalidades, tantas que lhes perdemos a conta, e também mais portugueses, com outros amigos que chegaram de Timor. Horas mais tarde, já depois da meia noite, vestidos e sapatos de festa vão descobrir como se dão a mergulhar. Alguns serão de limpeza a seco mas a água e a luz azulada que vem do fundo da piscina fica-lhes tão bem
Há um momento nestas celebrações em que nos refugiamos. Por momentos a euforia acalma e guardamos um momento onde sentimos alguma solidão necessária para juntar muito amor num pensamento e enviá-lo às pessoas que não estão connosco mas que importam imenso.
O ano passado foi assim, este ano estamos em Portugal a passar o Natal e como previsto as festas são muito mais pequenas e a dificuldade das pessoas se encontrarem muito maior. Por outro lado, estão perto e isso é bom que chegue.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: A passar o Natal em Portugal.
Nas notícias por aqui: Quando alguém é a apanhado a roubar nas Gili, três pequenas ilhas perto de Bali, a policia aplica uma punição a que se chama “the walk of shame”. Os alegados ladrões têm de “passear” por toda a ilha, com os policias a acompanhá-los e ao pescoço carregam cartazes onde estão escritas frases como “sou ladrão”. Essas pessoas são bastante fotografadas por todos que os queiram fotografar e as imagens correm mundo. Os últimos, um casal estrangeiro, estão em paginas de jornais na Indonésia e em muitos outros países. As opiniões dividem-se entre o repudio total à pratica descrita por muitos como bárbara e o elogio ao castigo.
Sabia que por cá: Em Bali o Natal não tem expressão, mas em Singapura, o destino mais habitual para quem aqui vive e precisa de fazer umas compras ou de passar uns dias mais urbanos, é levado muito a sério pelo comércio. Em Orchard Road, uma avenida gigante onde nos podemos perder por dias nos centros comerciais sem alguma vez chegarmos a ver tudo, fazem concursos de montras e apesar da elevada temperatura, há canhões de neve artificial a completar alguns dos espetaculares cenários.