Chegou mais um dia de outono para pintar as folhas do jardim em frente à nossa casa. A cada dia que passa observo da janela as árvores a mudarem. Com vento, chuva ou sol, vão-se descascando para cobrir o chão. Assim vou sentindo os dias e valorizando o tempo a passar.
E é do tempo que passa que vos falo hoje e o quão diferente ele é daí para aqui. Distam agora 9 horas de diferença. Enquanto cá já catrapisco os olhos Portugal despede-se de mais um dia.
Marco na agenda os compromissos e registo o que é importante não esquecer. Como música de fundo tenho os desenhos animados preferidos da minha filha (um urso e uma menina que não pára quieta e só tem ideias rocambolescas) que intercala a televisão com a curiosidade persistente de abrir portas e gavetas. Na mesa: torradas e café longo, uma jarra com flores, raios quentes de sol e o Anpanman (super herói infantil japonês) a olhar para mim. É uma casa portuguesa com certeza. Assim começo a escrever esta rubrica.
A propósito de pão torrado, recordo um episódio de uma amiga que nos veio visitar no ano passado, estava eu internada no hospital a aguentar a gravidez mais uns tempos. Queria fazer uma tosta e por mensagens lá lhe expliquei onde estava a torradeira e onde ligava. Ela responde-me depois a dizer que a tosta tinha ficado um pouco queimada, que talvez tenha rodado o botão para uma temperatura demasiado alta. Pedi-lhe para me enviar uma fotografia e… tinha usado o grelhador! Chorámos a rir.
É que aqui há, de facto, muita coisa diferente e a mais diferente de todas as coisas como nós as conhecemos são os botões e instruções dos aparelhos e electrodomésticos, que estão somente em japonês.
Quando cá cheguei perdia um bom tempo a descobrir onde é que se puxava o autoclismo. A maioria das casas-de-banho públicas, mais propriamente as sanitas, parecem cockpits! Entre esguicho de frente e esguicho de trás, música clássica ou som de água a correr, tampo mais quente ou mais frio, botão de emergência ou “flush”, era fazer “um, dó, li, tá” e rezar para que não entrasse o INEM cá do sítio. Com o tempo e uma série de tentativas-erro estou pro.
Felizmente sou das que se ri de si própria, fruto do meu lado desastrado de longa data, e embora os japoneses não olhem muito para o vizinho do lado deve ser tentador observar uma “gaijin” (estrangeira) despistada. Fomos pela primeira vez à aula de natação da Ma-chan. De carro fica a uns 5 minutos de casa. Lá os sapatos ficam sempre à porta (bem como na nossa casa, nas casas dos outros, em algumas lojas e restaurantes, em pavilhões e ginásios, etc.) e há um rol de procedimentos a seguir. Os japoneses são os mestres das regras, cumprem-nas à risca e de cada vez que se faz uma inscrição ou um registo temos que as ler e interiorizar.
Primeiro dia na piscina e lá fui eu de sapatos para o balneário. Estava tão focada em tudo o resto que tinha para fazer que os tomei como parte do corpo e, claro, só me apercebi do erro quando já estávamos de saída, ao olhar para os pés de meias das outras mães e crianças. Ninguém me disse nada. Ao todo somos cinco (dez) na aula e todos os bebés têm de usar braçadeiras, levando-me a acreditar que mesmo assim irão aprender a não se afogar e a nadar sozinhos. Também aqui tudo é diferente e tem o seu tempo de adaptação.
Tempo é o que não falta aos caçadores de Pokémons. A febre chegou há uns meses e mantém-se. Os japoneses têm uma flexibilidade no pescoço acima da média, o que faz com que o queixo colado ao peito, quer seja para dormir ou olhar para o telemóvel, seja uma forte característica. Durante uns dias um dos nossos passatempos, quando andávamos na rua, era adivinhar se estavam a caçar alguma coisa. São discretos, silenciosos e geralmente movimentam-se sozinhos. Há várias zonas de caça que incluem jardins e no outro dia fomos a um à beira-rio com pinhal, circuito para caminhar e parque infantil. Parecia um jardim de zombies onde o único som que se ouvia era o dos pássaros a cantar e os nossos passos a pisar a caruma. Nem uma criança pequenina a gritar os fez perder a concentração. Nós fomos aproveitar o sol e o facto de estarmos juntos enquanto eles continuaram a deambular pela sombra das árvores.
Por cá vou continuando a apreciar a natureza e a vida a mudar gradualmente. Sim, porque o tempo passa e nós vamos mudando com ele, devagarinho, acatadamente, sem pressa de chegar a lado nenhum.
VISTO DE FORA
Nas notícias por aqui… Foi mostrada a jovens desportistas a fotografia de Cristiano Ronaldo com o seu Buda no jardim como sendo um mau exemplo e foi-lhes dito para terem mais cuidado com o que colocam nas redes sociais.
Sabia que por cá… nas ruas a batata doce assada substitui as nossas castanhas quentes e boas.
Um número surpreendente: o número 4 é um número de azar pois um dos seus significados é morte (“shi”). Na maioria dos hospitais e hotéis o quarto nº4 é omitido assim como na numeração dos apartamentos saltam do 3 para o 5.