Quando decidi mudar-me para Bruxelas, em janeiro passado, e sobretudo desde então, muitas das conversas que tenho tido com familiares e amigos portugueses sobre esta nova experiência de vida incidem sobre o tempo. Quanto tempo vou ficar por lá, pois claro. Mas, essencialmente, que tempo faz por lá.
As pessoas tendem a achar que em Bruxelas faz frio, está sempre nublado e chove muito. E, em grande medida, têm razão. Mas a realidade é um pouco mais diversificada que o cliché meteorológico. Na verdade, devo dizer que o clima em Bruxelas tem sido até bastante menos agreste do que eu estava à espera. Faz frio no inverno, é certo; mas é um frio seco, que não incomoda tanto. Há dias de “capacete”, em que tudo está cinzento (e esses são particularmente difíceis de aguentar); mas normalmente não permanece assim o dia inteiro, havendo longos intervalos de céu limpo (embora nunca com a luminosidade de Lisboa) que me têm proporcionado belos pores-do-sol. Chove amiúde; mas é, em regra, uma chuva molha-tolos, que dispensa adereços próprios e nos poupa a valentes encharcadelas.
É certo que tenho vivido um período atípico. Dizem que este foi o inverno mais quente das últimas décadas. Mas também o ano mais chuvoso das últimas décadas. O que me deixa na dúvida se fui um sortudo (na época invernal) ou um azarado (na época estival). Em todo o caso, para ano de estreia, parece que apanhei logo condições bastante singulares. Ou então foi “apenas” o efeito das alterações climáticas e dos seus extremos meteorológicos.
Seja como for, esta é a história do dia em que eu fui à praia, na Bélgica, em inícios de maio. Uma conjugação de fatores altamente improvável. Até então nunca me tinha sequer passado pela cabeça ir à praia na Bélgica; e muito menos fora de época. Sucede que, não obstante o clima descrito acima, há por vezes umas ondas de calor. Houve duas este ano. Não duram mais de três, quatro dias (depois é preciso voltar ao casaquinho), mas enquanto espalham a sua canícula impõe-se sair de casa. Desde logo, para aproveitar acontecimento tão raro. Mas sobretudo para fugir de habitações que estão estruturalmente preparadas para conservar a temperatura e que, durante esses dias, se transformam em autênticas estufas.
Foi numa destas ocasiões que fui desafiado por uma amiga: “queres ir à praia no sábado?”. O convite soou-me tão bizarro e insólito que julguei ser uma piada. Mas afinal era verdade. Era mesmo possível ir à praia a partir de Bruxelas. Claro que implicava fazer uma viagem de duas horas para lá e outras duas horas para cá, com mudança de comboio pelo meio. Tal empreitada, que em Portugal consideraria uma loucura, apresentou-se-me logo, naquele contexto, muitíssimo tentadora.
De imediato aceitei o convite. Felizmente tinha comigo um fato de banho (que tinha levado para Bruxelas na expectativa de algum dia frequentar uma piscina, nunca imaginando que o usaria na praia) e uma toalha turca teria de servir como toalha de praia. Não tinha protetor solar, mas alguém haveria de me emprestar. E lá fui eu, com um sorriso nos lábios e a orgulhosa sensação de estar a cometer uma ousadia.
Chegados a Knokke, uma zona balnear no Mar do Norte, era preciso ainda apanhar um tram até à praia. Cumprida mais esta etapa, o primeiro choque: uma enorme fila de prédios altos, com uma arquitetura em geral bastante agressiva, flanqueava o areal. Andámos ainda um bom bocado, em busca de uma zona menos descaracterizada, até chegarmos ao clube náutico, onde reservámos lugar para um barbecue ao final da tarde e, finalmente, assentámos arraiais. Deitado na minha toalha, a absorver o sol, julgava estar a viver um momento impossível. Mais ainda ao lembrar-me que em Portugal estava mau tempo. Não conseguia deixar de pensar na ironia destes papéis trocados: os meus amigos, em Portugal, a queixarem-se do frio; e eu, na Bélgica, a tomar banhos de mar. Sim, o calor era tanto que não havia como evitar o mar, ainda que a água estivesse gelada e não particularmente limpa. O calor era tanto, aliás, que o casal de ingleses que estava connosco desistiu: foram em busca de uma sombra. Tinham atravessado a Mancha nessa mesma manhã e a sua pele reagia mal à abrupta transição da neve, ainda recente, para aquela soalheira inopinada.
Quando chegou a hora, fomos experimentar o barbecue na praia: um bar de saladas e uma pulseirinha no pulso, com direito a três pedaços de carne grelhada, que deveriam ser consumidos por ordem – primeiro a salsicha, depois a perna de frango e só então o bife – após termos aguardado, ordeiramente, nas longas filas respetivas. Afinal de contas, tínhamos o pé na areia mas não deixávamos de estar na Europa do norte. O último grelhado foi já comido à pressa, porque entretanto havia um comboio para apanhar e uma viagem de regresso de duas horas para fazer.
De novo em Bruxelas, na Gare Centrale, não me apetecia enfiar-me no metro e optei antes por ir a pé até casa. Estava uma bela noite, quente, com as ruas a fervilhar de gente. Ainda fui espreitar um concerto gratuito, em frente ao palácio real, onde um DJ amarrado a umas correntes e empoleirado sobre o público metia música em posição horizontal. O ambiente era descontraído e as pessoas estavam felizes. Eu também. Tinha sido um dia bom. Imprevisivelmente bom.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: de momento é onde estou, mas prestes a regressar
Nas notícias por aqui: não faço ideia, estou de férias
Sabia que por cá: cada marca de cerveja é servida num copo específico (o que obriga os bares a ter um stock gigantesco, com inúmeros tipos de copos)
Um número surpreendente: 6, é o número de parlamentos que funcionam em Bruxelas