Mário Soares pisou a Bandeira Nacional? Cavaco Silva era da PIDE? Manuel Alegre desertou da tropa? Sá Carneiro deixou um calote? Salazar tinha duas filhas? O PCP colaborou na morte de Humberto Delgado? As fake news não são de agora. Elas sempre procuraram influenciar os acontecimentos e, hoje, continuam a condicionar-nos, agora com a força exponencial da propagação da informação. Por vezes, de forma subtil e com o certificado da própria Imprensa séria: será que Rui Rio disse, assim, sem mais nem menos, que “nunca deixa cair os amigos”? Ou que António Costa, a propósito de Tancos, recomendou mesmo a Marcelo Rebelo de Sousa que controlasse a sua ansiedade? Num trabalho de memória histórica e de análise da atualidade, este vosso amigo, com a ajuda do editor da secção Mundo, Filipe Fialho, que procurou exemplos internacionais que tenham ficado para a História, assina o tema de capa desta semana. E fica o alerta: a própria afirmação de que notícias falsas sempre existiram acaba por desleixar o que se passa na atualidade, diluindo a gravidade dos tempos perigosos que vivemos. Nunca antes tinha havido uma indústria civil de produção de fake news organizada, remunerada e à disposição dos vários poderes fáticos. Como fica demonstrado pela leitura deste dossier de 11 páginas…
Borba, a outra estrada da morte
“Aos 61 anos, a mais velha de cinco irmãos, Maria Umbelina, sente-se esmagada pelas pedreiras que a rodeiam. Cedo lhes ganhou aversão. Foi ali mesmo, no aterro visível do seu quintal – Maria Umbelina aponta sem olhar – que morreu o irmão mais novo, há 38 anos. ‘Foi ver de um ninho de pássaros com uns amigos. Subiu a umas rochas e resvalou lá para baixo…’ O rapaz tinha 8 anos. Agora, Maria Umbelina está de novo de luto pela morte de um irmão. Também ele vítima da crueldade das pedreiras. João Xavier faria 57 anos, na terça-feira, 20 de novembro, mas no dia anterior foi engolido pelo deslizamento de um troço da EM255, enquanto trabalhava como auxiliar de retroescavadora.” Esta é uma das histórias contadas por Vânia Maia, na belíssima reportagem desta semana feita em Borba. Ainda com a memória recente da estrada da morte de Pedrógão, em junho de 2017, eis que outra via pública ceifa a vida de mais umas quantas pessoas, nas barbas da impassibilidade do Estado. Além do “caminho das pedras” das populações locais, percorrido pela Vânia e fotografado pelo Marcos Borga, o Octávio Lousada Oliveira (que também esteve em Borba) e a Clara Teixeira desmontam este labirinto infindável de responsabilidades políticas.
O indispensável “filósofo” de Rui Moreira
Um concurso suspeito, tipo “fato à medida”, terá permitido a Fernando Paulo, vereador na Câmara Municipal do Porto e ex-delfim de Valentim Loureiro, em Gondomar, chegar a diretor municipal da Presidência, em 2014. Uma das coincidências foi a das habilitações requeridas: “um curso de Filosofia”, precisamente o do candidato. Miguel Carvalho traz-nos o relato inédito dos bastidores desta contratação duvidosa, da ascensão e influência de um novo poder na sombra de Rui Moreira e do processo de “gondomarização” em curso na segunda autarquia do País, como pode ir espreitando aqui…
Todos ao Parque!
À beira de completar 80 anos, o realizador António-Pedro Vasconcelos dá uma enorme prova de vitalidade e de remoçada energia com o que poderá ser um dos mais marcantes filmes da sua carreira. Com interpretações de Miguel Guilherme, Francisco Froes, Diogo Morgado, Alexandra Lencastre e da protagonista-revelação Daniela Melchior, Parque Mayer, que chega nesta quinta-feira às salas, situa-nos no momento, em 1933, em que o Estado Novo apresenta uma nova Constituição aos portugueses. A trama, bem urdida, revela hipocrisias mas também solidariedade, censura e liberdade. É cinema popular, daquele – para todos – que tanto comove e inquieta como consegue fazer-nos rir. Oiçamos a descrição do editor de Cultura, Pedro Dias de Almeida, que conduziu esta preciosa entrevista ao cineasta: “Alegria e liberdade. Medo e violência. António-Pedro Vasconcelos revisita, com humor e suspense, o Parque Mayer, mas aproveita para recordar, recuando até 1933, como ‘se instala uma ditadura’. Não haja dúvidas: este é um filme político.” A acompanhar a matéria, um curiosíssimo artigo do Luís Almeida Martins que, na sua prosa cativante de exímio contador de histórias, nos fornece uma breve memória da “Broadway portuguesa”, em que não faltam as suas impressões de criança quando, nos anos 50, acompanhava os pais à revista…
Coletes de força
Quem são as pessoas que aderiram ao movimento “Coletes Amarelos”? Quais as suas reivindicações e expectativas? Alguns sonham com um novo Maio de 1968 e todos esperam uma vida melhor. O movimento de raiz inorgânica, que abalou a sociedade francesa e fez recuar Macron, voltou a creditar a França como o país onde a revolta conta. A VISÃO publica um oportuno exclusivo do jornal Libération com a reportagem em quatro cidades – Denain e Englos a norte; Montpellier e Marselha a sul, todas bem longe de Paris. Vale a pena ler.
O Natal é das crianças
As férias de Natal vêm lá e, na VISÃO Se7e desta semana, reunimos 30 ideias para andar por aí com os miúdos – pistas de gelo, espetáculos, carrosséis, árvores de Natal, rodas-gigantes e aldeias Natal, como Cabeça, na serra da Estrela, que, por estes dias, se enfeita para receber os visitantes.
Opinião que conta
António Lobo Antunes, em crónica dedicada ao falecido irmão João:
“Por baixo da tua aparente distância, tu que algumas pessoas consideravam arrogante, havia um coração de oiro e uma discreta bondade sem fim.”
Mafalda Anjos, sobre os acontecimentos em França:
“Enquanto as elites, fechadas nos seus carros elétricos e escritórios de design, se mantiverem surdas às dificuldades do cidadão comum, maior será a revolta dos Zés-Ninguém.”
Rita Rato, sobre a tragédia de Borba:
“Recordo-me de ouvir a história de um primo afastado que morreu no dia em que eu nasci. Trabalhava no fundo de uma pedreira e morreu esmagado por um bloco de mármore.”
Pedro Norton, a propósito da ideia do Presidente da República sobre o apoio às empresas de comunicação social:
“O apoio direto do Estado encarregar-se-ia de matar precisamente aquilo que seria suposto proteger: a independência dos órgãos de comunicação social.”
Capicua, sobre a sua recente participação na Feira do Livro de Guadalajara, no México:
“É refrescante sair da Europa para relembrar como eram os centros das cidades antes de terem todos as mesmas lojas, com as mesmas marcas.”
Boas leituras e para a semana cá estaremos, novamente. E isto, posso garantir-vos, não é fake news.