Salgado, é na sua génese, um homem nascido no interior do Brasil profundo dos anos 40, é criado entre a natureza e a dureza da vida longe das grandes cidades, o que cria nele uma claríssima apetência de justiça social, para mais num momento em que parte da juventude brasileira, com uma grande formação intelectual e humanista, respirava política e lutava por causas e bandeiras.
O então jovem Sebastião, estudante de Economia, envolveu-se na política, e por causa dela teve que sair do Brasil depois do famoso AI5 que em 1968 institucionalizou a repressão da ditadura saída do golpe militar já tinha de 1964. Aí, segundo explica o próprio no longo e fabuloso O Sal da Terra, documentário/biografia feito pelo seu próprio filho, Juliano Ribeiro Salgado, e por Wim Wenders, se encontrou com a fotografia e entendeu que o seu tempo de economista, que trabalhou para a Organização Internacional do Café, tinha chegado ao fim.
Quando se fez fotógrafo Salgado rapidamente começou a ser chamado a colaborar por todas as grandes revistas (Life, Time, The New York Times Magazine, Stern, Paris Match, entre muitas outras), que lhe davam os recursos e o tempo para ele trabalhar de forma muito profunda nos temas que, pela sua formação humanista, tanto o moviam. Foi também ajudado por golpes de sorte (e seguramente teve muitos outros de azar), como o ter sido o único a estar presente e fotografar o atentado que sofreu o presidente norteamericano Ronald Reagan, em 1980, tendo-se essas imagens vendido para todo o mundo, dando-lhe um enorme scoop mundial e uma almofada financeira que não só lhe tirou as preocupações para os anos que viriam como salvou da bancarrota a agência Magnum, à qual pertenceu durante 15 anos.
O génio de Salgado, não só enquanto fotógrafo, mas sobretudo enquanto comunicador, foi precisamente a saída da mítica Magnum, para fundar a sua própria agência/plataforma, dedicada exclusivamente a produzir e promover o seu trabalho. Assim se cria a Amazonas Images, no qual Sebastião e a sua sempre presente esposa Leila, pensam, projetam, propõem, produzem – ele fotografa, ela edita -, imprimem e apresentam os resultados do seu trabalho de Salgado. Assim, controlando todo o processo, torna-se ele próprio uma marca, que só por si faz vender.
Salgado consegue pensar os seus projetos de raiz não só o que fotografar, mas como fazer chegar essas imagens ao seu “público”, conseguir enormes apoios institucionais e de media, e partir para o terreno já com enormes garantias de sucesso, sem ter ainda carregado no obturador. É a globalização a funcionar em prole de um fotógrafo conhecido pelas suas denúncias constantes, através das suas imagens a preto e branco carregadas de dramatismo e de uma enorme eficiência na mensagem que nos trás.
O revés desta medalha, e isso não é culpa de Salgado, mas da sociedade em que vivemos, é que os parceiros que o apoiam, são algumas vezes gigantes empresariais que provocam precisamente aquilo que ele e as suas imagens denunciam, como o caso da Vale do Rio Doce, uma das maiores empresas mineradoras do mundo, responsável por enormes impactos ambientais e humanitários nas regiões onde trabalha nos quatro cantos do mundo.
Olhando hoje para Génesis, o seu mais recente e monumental projeto, não posso deixar de pensar em toda a obra que Salgado produziu nas últimas quatro décadas.
Da minha biblioteca de livros de fotografia, resgato o Outras Américas, que é para mim o seu melhor livro, e curiosamente o primeiro, de 1986. Ali, Salgado vive, respira, come e dorme junto das pessoas que fotografa. Num continente até hoje esquecido na sua profundidade, em apenas 49 imagens nós vemos toda a idiossincrasia de uma América Latina pobre e violada, mas com uma beleza e dignidades que nenhuma multinacional do mundo pode comprar.
João (Carvalho) Pina é um dos mais famosos jovens fotógrafos portugueses. Tem trabalhos publicados em algumas das principais publicações mundiais (como The New York Times, The New Yorker, Time, Newsweek, Stern, El Pais, etc.), venceu importantes prémios e o seu livro Condor, sobre a repressão na América Latina, já saiu em vários países