Como nos pensaram no decurso do tempo como o título é, de certo modo, genérico, qual, mais especificamente, o ‘tema’ ou ângulo de abordagem do livro?
Pedro Calafate: Procurei analisar o dinamismo da invenção e tematização da identidade dos portugueses como povo e comunidade por alguns dos intelectuais que mais decisivamente marcaram o sentido e configuração deste percurso. Tratei de fixar criticamente caminhos onde se inscrevem as etapas da nossa consciência histórica, equacionando-a, por isso, no contexto dinâmico de sucessiva reinvenção de si, mostrando as linhas de continuidade, os dramas de alternativa, a oposição ou articulação entre diferenças enriquecedoras e as opções por percursos distintos que fomos capazes de ir idealizando. Nesse processo há traços profundos que permanecem e se vão constituindo com anterioridade radical ao ato de pensar de sucessivas gerações, como horizontes de sentido que, não sendo inamovíveis, se inscrevem na longa duração, resistem à espuma dos dias e à vita brevis, e constituem, afinal, parte importante do universo da cultura em que nos movemos e que a cada passo recriamos.
Podemos então considerar que se trata de um estudo sobre identidades, visando o que poderíamos chamar uma história de segundo grau? Exatamente. Não procurei aqui traçar uma História de Portugal, mas sim o modo como alguns de nós nos pensaram no decurso do tempo. Trata-se um fixar um pilar essencial da cultura portuguesa, cujo conhecimento se afirma relevante para que nos perspetivemos a partir de uma dimensão de fundamento. O modo como os pensadores portugueses questionaram e elaboraram as nossas razões históricas de ser, as várias imagens do nosso passado, do nosso presente e também as esperanças no futuro deu origem a interpretações que constituem um vasto e interessante espaço teórico que aqui queremos analisar, porque não há leituras teoricamente neutras do mundo e da sua história.
Quais foram os tópicos mais relevantes da sua pesquisa? A minha intenção foi responder a algumas perguntas que me parecem estruturantes a este respeito. Como emergiu a consciência de que há fatores estruturantes que nos aproximam e que nos responsabilizam como povo? Como se foi verificando a crescente concentração de vontades em torno de um viver em comum e de objetivos que o justificam? Como nos pensámos ao longo do tempo perante os desafios superados ou inalcançados, gerando manifestações de ufanismo, desvalia coletiva ou potência de esforço meditado? Que forças e fraquezas fomos consciencializando? Como fomos perspetivando a nossa condição perante os demais povos e nações? Como fomos emergindo de crises morais e políticas pela energia dos que a tal se propuseram? Quais os contornos mais ou menos nítidos do que consideramos ser, em cada momento, o nosso perfil espiritual, ou o que Antero de Quental chamava, muito poeticamente, “a atmosfera do nosso agir”?
São temas aliciantes… … e que resistem a métodos experimentais que os estabeleçam com a tecnicidade crescente de meios de verificação, mas trata-se de algo que sabemos existir e que muitas vezes acreditamos conseguir explicitar se necessário, mas não deixamos de nos surpreender, a respeito da sua complexidade, quando a isso somos instados. Em todo o caso, é um ensaio breve, com número de carateres préestabelecido, tentando alcançar um público que não se identifica apenas com a academia ou a universidade, sem manifestações de erudição prolixa e com propósitos de clareza e acessibilidade. Os leitores dirão se o consegui.