Os proprietários vêem hoje o arrendamento como um negócio de alto risco, em virtude das sucessivas reformas adoptadas pelo Governo, sistematicamente penalizadoras dos proprietários. Se a isso se acrescentar uma tributação à taxa liberatória de 28% e a incidência do IMI e do AIMI, os proprietários questionam-se se os riscos de serem senhorios compensam uma tributação em que entregam mais de um trimestre do ano ao Estado.
Por esse motivo, no início deste ano, o Governo procurou incentivar a celebração dos contratos de arrendamento através da redução da elevada tributação que sobre os mesmos incide. Assim a Lei 2/2019, de 9 de Janeiro, e Decreto-Lei 68/2019, de 22 de Maio, estabeleceram um regime especial de tributação que isentava os rendimentos derivados de arrendamentos inseridos no âmbito do Programa de Arrendamento Acessível. Por sua vez, a Lei 3/2019, de 9 de Janeiro, que estabeleceu um novo enquadramento tributário para o arrendamento, em ordem a estimular a celebração de novos contratos de arrendamento. Essa Lei veio baixar a tributação à taxa liberatória dos atuais 28% para 26% nos contratos até cinco anos, para 23% nos contratos entre cinco e dez anos, para 14% nos contratos entre dez e vinte anos, e para 10% nos contratos superiores a vinte anos. Só que essa lei previa logo, no seu art. 5º, nº2, que o Governo poderia rever a situação no final do ano, o que motivou o justificado receio de que os proprietários poderiam celebrar contratos de longa duração confiados numa taxa baixa de IRS, para depois a verem subir de forma exponencial.
Esse receio concretizou-se agora com o facto de o Governo anunciar que pretende englobar os rendimentos prediais. Essa medida tem sido justificada com argumentos relativos à justiça da progressividade do imposto, e na comparação com outros países, mas essa argumentação é uma falácia. É preciso não esquecer que em Portugal a progressividade é em grande parte falsa, uma vez que se atingem taxas de tributação elevadíssimas a partir de rendimentos médios, sendo que no último escalão, com a sobretaxa, a tributação atinge 53%. O que se está a falar é assim de uma subida da tributação do IRS sobre rendimentos prediais para quase o dobro, passando o Estado a receber mais de metade do ano das rendas dos senhorios, numa altura em que a desconfiança destes no arrendamento é total.
A introdução da taxa liberatória resultou de se ter chegado à conclusão que não estava a ocorrer a aplicação de poupanças no investimento para arrendamento, preferindo as pessoas investir antes em produtos financeiros. A mesma visou assim estimular o arrendamento, numa altura em que os riscos do mesmo nem sequer eram significativos. Agora com o regresso ao englobamento, num quadro em que os proprietários estão em pânico com as medidas persecutórias adoptadas pelo Governo, o resultado só pode ser o colapso total do mercado de arrendamento e a subida ainda maior do valor das rendas.
Este Governo tem assim uma agenda ideológica radical, não conseguindo por isso levar até ao fim uma única política de estímulo ao arrendamento. O regresso do englobamento, simbólico ou não, será sempre visto pelos proprietários como mais um ataque, dos muitos que lhes têm vindo a ser feitos pelo Governo nos últimos tempos. E a resposta será que, se o Estado quer receber mais de metade do rendimento dos senhorios, fazendo-os suportar os riscos do arrendamento, é bom que seja o Estado a assumir o estatuto de senhorio e todos esses riscos, arrendando os seus próprios imóveis em vez de se apropriar das rendas dos imóveis privados. Num país em que 98% da habitação é assegurada por privados e apenas 2% pelo Estado, estamos a ter a garantia de uma tempestade perfeita no sector da habitação.