Existem dois mitos da Antiguidade Clássica que sempre me fascinaram: Helena, pela sua volúpia, beleza e poder de sedução, e Penélope pela sua virtude, inteligência e persistência. Helena representa a luxúria, a vertigem, o caos, o vale tudo. Páris provoca um conflito quando a rapta a Menelau e assim se abrem as hostilidades para uma das mais célebres guerras da história da humanidade. Na Guerra de Troia combate um guerreiro não menos famoso, Ulisses, que deixou a mulher em casa a dar conta do reino. A estoica Penélope resiste a todos os pretendentes, sem nunca perder a esperança de ter o seu marido de regresso a casa. Tece um manto durante o dia que desfaz de noite, criando uma falácia em torno do conceito de espera para todos aqueles que lhe cobiçam o reino: quando o manto estiver terminado, escolherá um marido, mas na realidade nunca vai estar. Quando Ulisses regressa, encontra o seu reino protegido pela inteligência da mulher.
O mito de Penélope persegue o meu trabalho desde o meu primeiro romance e tem atravessado toda a minha obra – já escrevi 16 desde 1999 – sem que me tenha apercebido. Nas minhas histórias existe sempre uma mulher à espera de um homem ou a tentar esquecê-lo. Mas o mito de Helena também aparece em alguns romances, sobretudo nos mais recentes. Em Antes que Seja Tarde, que relata a saga de uma família em que as três gerações de mulheres acabam, por uma razão mais ou menos obscura, no papel de amantes, tem a ver com a sedução feminina que, no caso de Helena, é levada ao extremo.
O sexo não tem segredo, só mistério, que se desfaz no ato. O segredo reside na arte de sedução, na capacidade de antecipar o desejo. Quando uma mulher move montanhas para seduzir um homem, não está apenas a oferecer o seu corpo, está a dar a oportunidade a um homem de possuir uma fantasia privada, para seu prazer exclusivo. A sedução é uma das mais eficazes e antigas invenções femininas. De Cleópatra a Lauren Baccal, o jogo é sempre o mesmo. A arte de sedução não está apenas nas curvas, está na cabeça. Mind games, mind over matter. O segredo é manter a chama sempre acesa, estimulando o desejo com jogos de palavras e véus sobre o corpo que alimentam a imaginação e aguçam o apetite. Nunca dizer tudo, nunca mostrar tudo, criando padrões de esperança e de desespero, picos de adrenalina e zonas de conforto. Ser ao mesmo tempo a puta e a mãe, a guerreira e a rapariguinha dos fósforos que precisa de ser salva, a rainha que se deixa raptar e a esposa paciente, guardiã do lar e dos valores mais elevados, que espera o marido o tempo que for necessário.
O grande desafio é saber o que ser e quando. Uma predadora que passa a presa depois do sexo deixa um homem confuso. Mas é muitas vezes inevitável. Não conseguimos ser sempre fortes, isso não existe. É um grande alívio poder baixar as defesas e dizer ao nosso amor, contigo sinto-me vulnerável, toma conta de mim, não me deixes cair. É esta mistura improvável de opostos que deixa o outro confuso e preso, mesmo que aquela seja a nossa melhor versão e ao mesmo tempo a que mais se aproxima da nossa essência.
A diferença reside no sentimento que está na base das nossas ações. Se é um jogo, ganha o mais inteligente e hábil. Mas se o amor já germinava antes de se concretizar o desejo, tudo muda. Já não se trata de jogar, porque valores mais altos se levantam. Criam-se laços, crescem medos, o sentimento de posse iguala-se ao calor do desejo e rapidamente se perde o juízo e o bom senso.
No jogo da sedução pura e dura, é comum assumir-se que os homens são mais leves, porque ligam e desligam, enquanto as mulheres, que estão programadas para a continuidade e ambicionam a segurança e a proteção, sofrem mais. Depois de falar com dezenas de homens e de mulheres nos últimos 20 anos no intuito de entender a sempre misteriosa condição humana, acredito que as diferenças não são afinal tão marcadas. O desejo é o desejo, o amor é o amor, às vezes cruzam-se, outras não.
Com a emancipação feminina, algumas mulheres foram-se libertando do sentimento de culpa ligado ao prazer e entre elas há quem tenha desenvolvido capacidades predatórias, embora umas quantas saibam jogar com a ilusão de se deixarem apanhar. São mulheres que conseguem ter relações tórridas sem laços que as prendam. É certo que quase todas já perderam um grande amor e preferem agora viver a vida em vez de ficarem em casa a choramingar sobre o leite derramado.
O que também percebi ao ouvir os homens sobre o mito da mulher que os tira do sério, lhes rouba o sono, os faz desmarcar reuniões importantes e atravessar oceanos, é reconhecerem que apenas lhes aconteceu uma vez na vida. Foi aquela mulher e não todas as outras que os marcou, a mensageira do caos, deusa de todos os sentidos e senhora de todos os desejos. E aqueles que quiseram esquecê-las, fizeram-no quase sempre por considerarem que lhes faltavam algumas qualidades relacionadas com a virtude.
É o erotismo que atrai, mas é a virtude que agarra. Talvez o mais difícil seja encontrar uma mulher – e também um homem – que consiga ter as duas. Alguém que nos abrace em momentos de tristeza e nos faça voar nas horas do prazer. Muitas vezes, também é uma questão de sorte, e de timing.