Se o brasileiro é o português à solta, como disse e muito bem Agostinho da Silva, o idioma atualmente falado no Brasil é certamente muito mais descolado e criativo do que o praticado no nosso retângulo à beira-mar plantado em forma de jardim ensolarado, recentemente descoberto pelo mundo, ornamentado com monumentos seculares e recortado por praias geladas no Inverno e apenas escaldantes no Verão a partir do sotavento algarvio. No querido país irmão, a imaginação aplicada à língua materializa-se de forma inesperada e divertida, roçando por vezes a genialidade, ainda mais se contrastar em à-vontade e variar em semântica da fonte primordial.
Por exemplo, em Portugal um PA é a abreviatura usada entre homens de negócios para um Pequeno-Almoço que acompanha uma reunião de trabalho, ou vice-versa. Croissants ou tostas mistas, chá, café ou laranjada, tanto faz, o PA é um assunto sério. No Brasil, um PA pode ou não ser um assunto sério, consoante a frequência, a intensidade e o grau de antiguidade, geralmente sem hora marcada, embora não raro seja servido, por cortesia, um café fresquinho, como eles dizem, antes ou depois. Já sabe do que estou a falar? Ainda não adivinhou?
Pois bem, na Brasil PA é abreviatura para Pau Amigo, aquilo a que na cultura anglo-saxónica é representado pelas expressões fuck-buddy ou friends with benefits, que encerra um eufemismo impreciso quer na escolha do substantivo, quer na designação vaga e propensa a interpretações abusivas quanto à parte dos benefícios. Do outro lado do Atlântico, a sul da linha do equador, onde o sexo é verbalizado com a mesma naturalidade com que se compra uma dose de pãezinhos de queijo na padaria da esquina, um Pau Amigo é isso mesmo, um amigo que usa o que Deus lhe deu para levar uma amiga ao céu, ou lá perto. Não chega a ser um ficante, porque um ficante é alguém que vai aparecendo e ficando, uma espécie de estado embrionário que pode desembocar ou não numa relação mais estável ou duradoura. Um ficante é aquilo a que nos anos 80 a malta chamava uma curte. A grande diferença entre brasileiros e portugueses está na ausência de vergonha perante tais condições eróticas. Um Pau Amigo é o que é e diz ao que veio, é uma cena mais simples, clara e objetiva: embora lá trocar figurinhas numa aula de química em que ambos são alunos e professores, de preferência com o ar condicionado ligado porque o calor aperta e lá fora estão 40 graus.
Um Pau Amigo, que nos anos 90 também se chamava um Pau de Plantão, pode ser um Pau Social, no caso de o órgão possuir medidas standard nem abaixo da média o que pode desiludir, nem acima, o que pode magoar. Se corresponder a uma performance razoável e satisfatória, também pode ter a designação de Pau Honesto.
O conceito de Pau Amigo não tem nada a ver com o de one-night-stand. Tal como existem amizades imunes ao tempo, também existem relações com esta especificidade que duram anos, décadas, chegando mesmo a atravessar toda uma vida, já que, sendo o sexo a cola do mundo e fazendo parte integrante da existência, um PA pode tornar-se um confidente, cúmplice total dentro das quatro paredes onde opera em todo o seu esplendor. O PA não é para namorar, nem para passear de mãos dadas no Calçadão ao domingo, ou abraçar a árvore de Tom Jobim no Jardim Botânico. É para aquela função, e como a função faz o órgão e a prática faz a perfeição, ringue com ele.
O Brasil é dominado por uma cultura de alegria e de sexo. Um cara que manda bem é um homem competente na cama. Por competente entenda-se, que sabe fazer tudo bem, com técnica, talento e devoção, aquilo que em Portugal, se designa por dar o corpo o manifesto ou vestir a camisola. É isto que se espera de um PA, que goste de ser amigo do seu amigo, ou da sua amiga, consoante a orientação sexual do mesmo.
Acordo tácito ou explícito, sexo puro e duro, com mais ou menos beijos no início, no meio e no fim, é sempre bom de ter um PA à mão para dar um chamego, um aconchego, uma risada, ou uma palmada no instante exacto. E sobretudo muito útil durante os inevitáveis períodos de travessia emocional, naqueles meses em que se está a tentar esquecer um amor que não deu certo, com o coração ainda no estaleiro a recuperar do embate, mas com o corpo a pedir atenção e ação. Nesses casos, o PA serve para tirar o atraso, outra magnífica expressão cuja explicação não carece de mais linhas, pois já fala por si.
Se queremos a nossa língua viva, então tivemos muita sorte, porque quer no Brasil, quer em África, o idioma de Camões e de Pessoa é anualmente enriquecido com deliciosas expressões e magníficos neologismos, que o diga Mia Couto, fabricante imbatível de novas pérolas lusas. Literatura aparte, a fixar: Pau Amigo, Pau Social, Pau Honesto, Ficante e Tirar o Atraso. A língua é mesmo isto, quanto mais usada for, melhor. E de preferência, sempre sem culpa e com muito rasgo.
A minha pátria é a minha língua, e o resto é conversa.