E ao nono dia oficial de campanha lá apareceu o fantasma que, volta e meia, paira sobre o CDS: a colagem à ditaduras e a períodos negros da História mundial. Esta segunda-feira, 30, à noite, a comitiva centrista, encabeçada por Assunção Cristas, percorria a emblemática descida do Quebra Costas, que dá acesso à Baixa de Coimbra, para ouvir o fado do estudante, quando um trio de transeuntes engatilhou a ofensa que já não mata, mas ainda vai moendo. “Fascistas!”, gritaram logo quando se cruzaram com a caravana, que se encaminhava para uma noite de convívio, à boleia de umas tábuas de queijos e enchidos e regada por umas garrafas de vinho.
“Vão para a Alemanha!”, prosseguiu o elemento mais exaltado, que não tinha qualquer identificação que permitisse conotações com qualquer cor político-partidária. “É só riquinhos, doutores e engenheiros!”, insistiu, para logo receber o troco de uma democrata-cristã que seguia no cortejo: “Também é preciso, não pode ser só gente mal-educada!”
O desaguisado parecia ultrapassado quando as guitarras deram início à canção de Coimbra, mas, ao fundo, virava o disco e tocava o mesmo: “Fascistas! Chulos!” Nem o silêncio que o fado exigia foi respeitado.
Quando confrontada pelos jornalistas acerca daquele embaraço que os centristas ali presentes disfarçaram mal, Cristas, ladeada pelo cabeça de lista de Coimbra, Rui Lopes da Silva, e pelo presidente da distrital, Rui Fernandes de Castro, desvalorizou: “Não me incomodam gritos que não se podem dirigir a nós porque não têm nada a ver connosco.” Mas o desconforto era notório, até porque Coimbra é um terreno tradicionalmente duro para o partido.
Apesar do contratempo, a líder centrista mostrou-se firme em relação às opções que tem tomado para a volta nacional rumo às legislativas. Mesmo as mais arrojadas, como a incursão pelo Barreiro, no distrito de Setúbal, onde as receções dos populares oscilam entre a indiferença e a animosidade. “Não temos medo. Não aceito que haja sítios onde não podemos ir”, atirou, numa breve conversa com a VISÃO, quase a fazer lembrar Mário Soares, na campanha presidencial de 1986, em que foi agredido à paulada quando ia visitar uma fábrica na Marinha Grande e esbarrou numa manifestação comunista. Nem isso o impediu de circular porque, alegava, Portugal era “uma terra de liberdade”.
Posta a pedra sobre o assunto e após ouvir o clássico F-R-A, Cristas realçou que o encanto de Coimbra reside no “património material” da Baixa e da Alta da cidade, reconhecido pela UNESCO em 2013, e também no “património imaterial” ouvido durante aquela noite quente, ou seja, a “canção de Coimbra, que o País conhece como o fado do estudante de Coimbra”. Para o CDS, notou, a cultura tem de ser valorizada, uma vez que “está ligada às raízes” e é ela a identidade que “em cada dia se reiventa e que se projeta para o futuro”. “Aquilo que fica do nosso País, o que mais perdura é a cultura”, resumiu.
Daí, completou, em jeito de remoque a António Costa – que encerrava um comício ali bem perto -, lembrou as propostas do partido para o setor, designadamente a redução da taxa de IVA dos espetáculos culturais para 6%. Essa seria, de resto, uma das várias medidas para unir património material e imaterial, setores público e privado, educação e turismo, numa verdadeira “rede nacional de cultura”. “Há muito trabalho para fazer”, finalizou.