É fina a lâmina que separa a coragem e a imprudência, o risco e o descuido, mas Assunção Cristas não parece estar demasiado preocupada com essa fronteira. Ao terceiro dia de campanha eleitoral, a presidente do CDS desembarcou no terminal fluvial do Barreiro, concelho onde os centristas costumam ser recebidos, na melhor das hipóteses, com indiferença – na pior, com hostilidade – para repetir que a travessia do Tejo precisa de ser alargada a operadores privados porque apenas com a oferta que o Estado disponibiliza a situação ameaça colapsar.
Os relógios marcavam as 8h47 desta terça-feira, 24, quando Cristas, com pouco tempo de sono e ladeada, entre outros, pelos deputados e/ou candidatos por Lisboa Ana Rita Bessa, João Gonçalves Pereira, Pedro Morais Soares, Isabel Galriça Neto se juntou ao cabeça de lista dos democratas-cristãos em Setúbal, Nuno Magalhães, que aguardava pela líder com alguns militantes do distrito.
Aproveitar a indignação
Em sentido contrário ao que milhares de passageiros percorreram esta manhã, a viagem acabou por ser “tranquila” e “confortável”, confirmou Assunção, de jornal do partido e flyers em punho. A contrastar, porém, com o inferno que tem sido nos últimos tempos chegar à capital de barco partindo de qualquer ponto da margem sul. Ou regressar, note-se.
“Nós entendemos que deve ser aberta a travessia do Tejo a mais operadores e, portanto, aberta à concorrência”, repetiu Assunção, que aproveitou a indignação de inúmeros passageiros que ficam retidos diariamente “de um lado ou do outro do rio”. “O problema é quando as pessoas não têm escolha e o que existe é mau”, asseverou, depois de recordar o caso de um barreirense que perdera uma oportunidade de trabalho porque o empregador “não podia correr o risco” de contratar uma pessoa que pudesse vir a faltar por causa dos transportes.
A proposta de “americanização” das travessias do Tejo (tal como a ideia de estender o metro até Almada) esteve longe, no entanto, de ser ouvida por muita gente. A predisposição dos cidadãos para a política, não é novidade, está em mínimos históricos e, consumidos pela pressa de chegar ao trabalho, poucos foram os que pararam mais de dois segundos. Às habituais descortesias somou-se, desta feita, um desafio para Cristas ir trabalhar. Acompanhado por uma imprecisão. “Estiveste em quatro ministérios e não fizeste nada!”, ouviu-se, de fundo, enquanto a presidente do CDS falava aos jornalistas.
Ainda assim, a provocação foi light quando comparada com os episódios de campanhas idas em que, no distrito de Setúbal – onde o PCP era dono e senhor –, Paulo Portas era torpedeado com piadas e acusações sobre submarinos. A animosidade mitigou-se, mas o CDS tem duas semanas para corrigir o score que obteve no círculo sadino nas europeias. Uma hecatombe semelhante à de 26 de maio (3,79%), deixaria o chefe da bancada centrista, Nuno Magalhães, no limiar da reeleição.
Cristas joga muito destas legislativas em Setúbal. Na sexta-feira, 20, já tinha visitado a misericórdia local e passeado pelo mercado no coração da cidade, a Praça Bocage, e está previsto que regresse a 4 de outubro, poucas horas antes de a campanha terminar. Será que os trinta minutos que dispensou em terra de “inimigos” – no Barreiro, não foi além de 2,12% nas europeias – ajudam a salvar o seu único deputado?