António Costa evita pedir uma maioria absoluta e a razão é simples: como o próprio já explicou, em entrevista à VISÃO, nenhum eleitor escolherá votar PS a 6 de outubro apenas porque, um dia, o secretário-geral do partido decidiu assumir que até gostava de alcançar esse resultado. Para quê dizer as palavras, uma por uma, quando já se percebeu que a vontade está lá? Além disso, num cenário – ainda totalmente em aberto – em que o PS não consiga os votos para a tal maioria absoluta, Costa poupa-se a um arranque de legislatura já com uma derrota no currículo. Isso chama-se gestão política. Depois, há a aritmética.
O mais recente barómetro da Eurosondagem, publicado na última edição do semanário Sol, dava ao PS 38,1% dos votos nas legislativas do próximo mês. Dias antes, Rui Oliveira e Costa, politólogo e administrador da empresa de sondagens e de estudos de opinião, tinha anunciado “a mais profunda alteração do sistema político português” desde a instauração do regime democrático, afirmando que a barreira da maioria absoluta desceu dos 44% para os 39%. A comprovar-se a tese, isso significaria que falta “um bocadinho assim” para que o líder socialista passe de um segundo lugar, em 2015, para um resultado que, quatro anos volvidos, lhe permite governar sem acordos e sem negociações parlamentares.
As reações não demoraram. Depois de defender que “a democracia e a transparência são bens a proteger” – sugerindo que estão em risco com um PS maioritário –, e cética quanto à vontade de António Costa em firmar acordos tendo uma maioria absoluta nas mãos, Catarina Martins inscreveu no programa eleitoral a ideia de que “o Bloco de Esquerda é o partido que quer e que pode impedir uma maioria absoluta” dos socialistas. Jerónimo de Sousa não anda longe desta posição. “O voto na CDU conta, e conta bem, para impedir a maioria absoluta do PS”, defendeu o secretário-geral do PCP, no comício de encerramento da Festa do Avante! no último fim de semana.
As pequenas novidades
Mas para o desfecho ser o anunciado por Oliveira e Costa e o PS alcançar essa maioria, é preciso, ainda assim, incluir outro dado na equação: a distância entre o vencedor das eleições e o segundo partido mais votado.
Chegamos a Rui Rio e, por arrasto, somos levados a analisar um centro-direita cada vez mais espartilhado. Uma realidade que ganhou forma – ou, pelo menos, que se acentuou – desde que o líder social-democrata assumiu os comandos da São Caetano à Lapa, em fevereiro do ano passado. Nestes 18 meses que leva de presidência do PSD, o ex-autarca do Porto viu nascer o Aliança e o Chega. O primeiro foi fundado pelo seu adversário de disputa interna pós-Passos Coelho, apenas nove meses depois de Pedro Santana Lopes sair derrotado desse combate; o segundo bateu com a porta com queixas de traição – a expressão usada por André Ventura foi “facada nas costas” – apontadas à concelhia de Loures. Tudo porque a organização local manifestou apoio a Rui Rio quando Ventura ensaiava um golpe contra o líder do partido e, ao mesmo tempo, se candidatava às autárquicas de 2017 em nome do PSD.
A julgar pelas sondagens, há um terceiro candidato a ter em conta, a Iniciativa Liberal (IL), que nasce dois meses antes da chegada de Rio à liderança do PSD e que deve a sua criação mais a um desencantamento com os partidos do centro-direita em Portugal do que à gestão que Rio tem feito do PSD. De qualquer forma, a criação do IL é mais um contributo para a dispersão de votos à direita e para um acentuar do fosso que se vai anunciando entre o PS e o segundo partido mais votado.
Aliás, o modelo eleitoral português é pródigo em desperdiçar votos. A verdade é que, ainda que alguns candidatos dos novos partidos possam ambicionar a eleição, muitos dos votos confiados à “liga dos pequenos” têm um efeito nulo: acabam, pura e simplesmente, por não levar à eleição de qualquer deputado. Em 2015, por exemplo, cerca de 762 mil votos (14,65% do total) não elegeram um único parlamentar.
Contas à vida
Ponto de ordem nas contas rumo à maioria absoluta: a divisão de forças à direita facilita um cenário em que o PS, como partido mais votado, poderá alcançar essa fasquia, desde logo porque cada um desses novos – e pequenos – partidos deverá “roubar” votos ao PSD de Rui Rio, aumentando a diferença entre os dois mais votados. Segundo os dados mais recentes, essa diferença estará em cerca de 15 pontos percentuais (só comparáveis com os 16,35% da maioria absoluta de José Sócrates, em 2005). E o peso dos mais pequenos pode ser tal que, a julgar pelas contas do politólogo Pedro Magalhães, há uma real possibilidade de uma ou de várias dessas forças poderem eleger deputados à Assembleia da República.
O quadro que o investigador da Universidade de Lisboa partilhou há dias na sua página do Facebook apontava, para cada círculo eleitoral, um limiar de inclusão (valor abaixo do qual será teoricamente impossível um partido eleger), um limiar de exclusão (acima do qual estará garantida a eleição) e um limiar médio (a ponderação entre os dois anteriores e que sugere a percentagem mínima confortável para a eleição de um deputado).
Ora, esse trabalho do politólogo mostra que, nos círculos maiores – como Lisboa e Porto –, pelo menos o Aliança poderá eleger o seu cabeça de lista. Nesse caso, Pedro Santana Lopes estaria de volta ao Parlamento, 14 anos depois da sua última eleição, pela capital, onde a fasquia mínima andará pelos 1,7 por cento. Também o Chega e o Iniciativa Liberal podem estar em condições de entrar no Parlamento, o que, a acontecer, alargaria o universo de partidos ali representados para um recorde de dez forças políticas. O PAN poderá ampliar a sua base eleitoral para os seis deputados (eleitos por Lisboa, Porto e Setúbal), segundo os cálculos de Rui Oliveira e Costa. E todos estes votos deixam o PSD mais longe dos socialistas.
Mas as contas também se fazem à esquerda. Parte do segredo que permitiria a António Costa chegar à maioria absoluta chama-se “eleitorado oscilante”. São eleitores que não olham à cor partidária e que podem numas eleições optar pelo PS como nas seguintes escolher o Bloco de Esquerda ou o PCP. É para eles que cada um dos líderes fala nestas legislativas, sobretudo quando ficou claro – com a solução encontrada em 2015 – que uma maior dimensão parlamentar significa uma maior capacidade de influenciar o caminho do Governo.
As mudanças no sistema
Voltemos às regras que permitem transformar os votos na urna em mandatos à Assembleia da República. As fragilidades e insuficiências do sistema aplicado em Portugal e que foi criado por um jurista, Victor d’Hondt, há 150 anos estão documentadas. Mas a vontade – ou a forma – de mudar a lei não colhe consenso.
Uma das maiores fragilidades é, precisamente, o facto de, nas legislativas, mas não só, milhares de votos não terem valor prático, como mostram os mais de 700 mil votos desperdiçados nas eleições de há quatro anos. PS e PSD tiveram quase 208 mil votos deitados fora, porém é nos partidos com menor representação parlamentar que esse fenómeno tem mais impacto. André Silva, do Pessoas-Animais-Natureza, foi eleito com os 22 628 votos que os eleitores lhe confiaram em Lisboa, mas o seu partido conquistou mais 53 mil votos em todo o País. Ainda assim, o deputado único do PAN passou os últimos quatro anos sozinho no Parlamento.
O modelo fragiliza também os mais pequenos que nem sequer se chegam a sentar no Parlamento. Noutro exercício, que volta a basear-se nos votos contabilizados nas legislativas de 2015, é possível analisar a disparidade territorial. Por exemplo: em Bragança, com 58 126 votos, o PSD elegeu dois deputados e o PS mais um; mas os quase 61 mil votos que o Partido Democrático Republicano (PDR) conquistou em todo o País não permitiram ao partido de Marinho e Pinto entrar na Assembleia da República.
Há formas de contornar estas limitações do método de Hondt. No entanto, nos programas que apresentam às eleições de 6 de outubro, apesar de terem uma palavra a dizer sobre as alterações que querem introduzir na lei eleitoral, os partido sacabam por falar em várias línguas – aqui e ali, há pontos de contacto mas também há posições absolutamente divergentes.
O PS já trazia de 2015 a vontade de reformar o sistema eleitoral para a Assembleia da República, e António Costa não deixou morrer a ideia. “Neste capítulo, “fazer ainda mais e melhor” (nome de batismo do programa eleitoral do PS) significa introduzir círculos uninominais, “sem prejuízo da adoção de mecanismos que garantam a proporcionalidade da representação partidária, promovendo o reforço da personalização dos mandatos e da responsabilização dos eleitos, sem qualquer prejuízo do pluralismo”.
Até há pontos de contacto entre socialistas e sociais-democratas. Em junho, Rui Rio disse, em conferência de Imprensa, que queria “lutar para que haja uma maior aproximação dos deputados aos eleitores”. Uma proposta que pode passar “pela criação de círculos uninominais” – ou não. “Também podem ser círculos mais pequenos”, admitia o líder do PSD, ainda sem rumo definido. No programa, Rio propõe “alterar a forma de eleição dos deputados”, através da “reconfiguração dos círculos eleitorais”, e também defende o “reforço da participação do cidadão e de combate à abstenção com possibilidade de valorização dos votos brancos” (além de pretender uma “redução do número de deputados na Assembleia da República”). E chegou a lançar a lei eleitoral como um possível campo de entendimento com o PS. Mas, numa recente entrevista à SIC, António Costa não pareceu interessado em concretizar acordos à volta dessa matéria.
As maiores resistências vêm, ainda assim, dos parceiros parlamentares do PS na atual legislatura. O Bloco é claro: a palavra de ordem é “recusar alterações à lei eleitoral que distorçam a proporcionalidade e a representatividade do voto” no Parlamento. O PCP vai “contestar projetos de revisão das leis eleitorais que visem favorecer artificialmente a bipolarização entre PS e PSD e a diminuição do pluralismo da representação política”, quer isso aconteça “através da redução do número de deputados” quer se materialize na “criação de círculos uninominais” ou na “redução e manipulação da dimensão dos círculos existentes”.
Porém, essa discussão (a existir) só sairá da arca depois das eleições. Até lá, os partidos vão olhando para as sondagens. Não são votos, é certo, mas já ninguém duvida de que a vitória dificilmente fugirá ao PS. A dúvida é o quão folgada será essa vitória. A noite será longa – e, adivinha-se, de calculadora na mão.