É alemão, vem a Portugal pedir-nos para dizermos “não” às armas nucleares e promete não se calar enquanto os seus argumentos não forem ouvidos. Cabeça de cartaz no anunciado Boom, esse festival de música eletrónica que se quer amigo do planeta e da sustentabilidade, a decorrer em Idanha-a-Nova de 22 a 29 de julho, Leo Hoffmann-Axthelm, 29 anos, figura de proa desta nova geração que se insurge contra as armas e o nuclear, espera indignação (“Se as pessoas souberem que o seu Governo está a boicotar um acordo para acabar com as armas nucleares, não vão certamente ficar caladas”).
No seu entender, dar carta branca a quem está na posse de algo que nos coloca a todos em risco é absolutamente insano – e, mais uma vez, a esperança de abalar este estado de coisas é posta sobre a juventude. Por um momento, pensamos: começar uma revolução de pensamento num festival de música? Logo a seguir, outra voz soa na nossa consciência e riposta: Porque não? Se a nova geração já deu mostras de força no caso da posse de armas, como se viu depois dos tiroteios nas escolas secundárias nos Estados Unidos da América, poderá ser uma boa aposta.
Ainda tem dúvidas sobre o tema? Façamos então uma revisão da matéria dada: as armas nucleares são as mais perigosas que existem à face da Terra. Uma só pode destruir cidades inteiras, matando milhares de pessoas, com efeitos nefastos para o meio ambiente e consequências devastadoras para as gerações futuras. Só foram usadas duas vezes em cenário de guerra (em Hiroxima e Nagasáqui, na II Guerra Mundial), mas hoje estima-se que haja 15 mil por todo o planeta. Entretanto, ter-se-ão efetuado dois mil ensaios. Em metade deles, suspeita-se, terá havido acidentes. Mesmo quando já sabemos que as armas nucleares dos dias de hoje são centenas de vezes mais perigosas para a saúde do que as que foram largadas em 1945. Além disso, 1 800 das armas que existem nos dias que correm estão em posição de alerta máximo. O que quer dizer que podem ser lançadas em 15 minutos. O acordo que visa o seu fim tem-se revelado difícil, muito devido à posição da NATO – e Portugal, como membro desta organização, não está a ajudar. Um processo com meio século: foi a 1 de julho de 1968 que o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares começou a ser assinado.
Como é que se envolveu na Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares (ICAN)?
Estava nas conferências do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (NPT) como estudante, conduzindo entrevistas com embaixadores para aumentar a consciencialização, de 2009 a 2012. Nessa altura, era um jovem diplomata na República de Nauru, uma pequena nação insular do Pacífico que se impôs como ponto de referência em segurança, desarmamento, tratado de comércio de armas… Quando regressei a Berlim, pareceu-me óbvio que os atuais processos de desarmamento nuclear eram completamente disfuncionais e sem trégua. Foi então que contactei a ICAN para criar um escritório em Berlim. Primeiro, era um pequeno espaço na minha sala de estar, depois expandi-o. A partir daí, foi trabalhar em todas as frentes: fazer lobby com as instituições políticas, reunir com outras organizações humanitárias e de desenvolvimento, organizar conferências… Quando me mudei para Bruxelas, no final de 2014, tornei-me representante da ICAN na UE.
Quais são as vossas maiores preocupações?
Podemos pensar em vários argumentos, mas o que mais me preocupa é o erro. Estamos a falar de ferramentas antigas, de uma tecnologia que já é velha, que em muitos casos está escondida. Sabemos que houve cerca de mil acidentes nos ensaios que decorrem desde os anos 1970 e os seus efeitos foram escondidos. Podemos não conseguir reduzir o risco a zero, mas não devemos ficar descansados enquanto este tipo de armamento não for considerado ilegal em todo o lado.
Recentemente, usou-se até o argumento de que saber que há outros países com este tipo de armamento inibe que alguém o use. Porque é que isso não o descansa?
É enganador. Ninguém pode acreditar nisso. Estão a ser gastos milhares de milhões de dólares; há países a prepararem-se para investir ainda mais neste tipo de armas. Outros poderão ir atrás deles. Se não fizermos nada para o travar, se não declararmos que é inaceitável, tornamo-nos cúmplices.
Só os ingénuos acreditam que nada de mal pode acontecer…
Isso. O mundo é um lugar perigoso. Isso estava muito presente nas cabeças das pessoas enquanto durou a Guerra Fria. Depois, pensou-se que este cenário de voltar a ter armas nucleares em cima da mesa era impossível. Desde o final dos anos 80, com a queda do Muro de Berlim e o desmoronamento do bloco soviético, que se tornou um conceito abstrato. Afinal, como se está a ver, não é. E, perante isto, não podemos ficar quietos nem calados.
O tratado já foi assinado por 120 países, mas isso não foi suficiente para convencer os outros. Porquê?
O grande obstáculo é a NATO: os seus 29 membros ainda não assinaram, muito por influência dos EUA, o membro com mais força dentro dessa aliança. E os outros temem que, ao ir contra ele, depois possam não ser defendidos. É o caso de Portugal, que também boicotou as negociações na ONU por ser membro da organização. Mas Trump não é um líder racional, não podemos acreditar no que ele diz.
Muito se tem falado também do risco que constitui o arsenal da Coreia do Norte. Recentemente, Kim Jong-un convidou os jornalistas para comprovarem, in loco, o fim da sua central. O que lhe pareceu isto?
Foi ótimo, mas penso que não devemos dar a questão por resolvida. Enquanto houver pessoas, e países, a argumentar que precisam de armas nucleares para se sentirem seguros, é muito pouco provável que a Coreia do Norte vá, efetivamente, chegar a uma qualquer outra conclusão.
A Cimeira com Trump também acabou por se realizar – embora sem grandes resultados. Como a interpreta?
Tudo é melhor do que ameaçar matar milhões de civis inocentes. A diplomacia é sempre melhor do que o confronto. Mas não é um progresso substancial. Nenhum dos compromissos da Coreia do Norte é novo e eles são extremamente vagos. Não é assim que se negoceia o desarmamento: é, antes, feito com recurso a tratados legalmente vinculativos, e procedimentos de verificação técnica para aumentar a confiança. Se Trump e Kim levassem a sério o desarmamento nuclear, concordariam com medidas transparentes, verificáveis e calendarizadas sobre o desmantelamento dos seus arsenais.
Esse evento foi mais ou menos na mesma altura em que meia dúzia de militares norte-americanos que guardavam arsenal nuclear admitiram o consumo de LSD e outras drogas ilegais. A revelação surpreende-o?
Há alguns anos, vários estudos já indiciavam que este pessoal tinha uma maior predisposição para o consumo de drogas e outros eventos, como envolverem-se em episódios de violência doméstica, em muitos casos por efeitos semelhantes aos do stresse pós-traumático. Interpreto isso como um sintoma claro de que a maioria das pessoas que lida com armas nucleares no seu dia a dia entende muito melhor do que os políticos como seria insano usá-las. Também demonstra que os acidentes são bastante prováveis. A partir do momento em que a probabilidade de um acidente não é 0%, é sempre irresponsável continuar com essa política.
É por isso que vem a Portugal? Para criar massa crítica?
Pelo que sabemos, Portugal tem um Governo preocupado com as questões sociais e ambientais. Temos obviamente a esperança de que se todos tomarem consciência de que boicotou estas negociações, não o aceitem. Acho mesmo que as pessoas vão ficar escandalizadas quando perceberem o impacto de tudo isto.
Há riscos de que, mesmo assinado, esse tratado não seja implementado? Vimos isso acontecer com os tratados ambientais, por exemplo…
E, por isso, vamos baixar os braços… Não, estamos a falar de armamento que pode mandar isto tudo pelos ares. Podemos não conseguir reduzir tudo a zero, mas quanto menos nuclear tivermos, menos riscos corremos. Sobre isto não temos dúvidas.
Às vezes, parece que estão todos à espera de que o outro dê o primeiro passo.
Noventa por cento do armamento nuclear que existe no mundo está nas mãos da Rússia e, sobretudo, dos EUA. Depois do que sucedeu em Chernobyl, é difícil acreditar que os russos queiram voltar a correr esse risco. Quem tem mais armamento tem de dar o primeiro passo – ou os outros países nunca o farão. Vão ficar a pensar: se eles precisam disso para se sentir seguros, então nós também não vamos parar o nosso programa.
É preciso dar o exemplo, é isso?
Claro. Só assim se fica do lado certo da História. Esperamos que Portugal faça essa pressão, e que possa ajudar a convencer os membros da NATO a acolherem este tratado. Ou, pelo menos, que diga que tem uma voz e que estas armas não são legítimas. As pessoas têm de saber que há uma opção. É nisso que apostamos. Sabemos que haverá sempre conflitos e que podem avançar para guerras. Mas sempre sem correr o risco de rebentar com todo o planeta.
No ano passado, o vosso esforço foi recompensado com o Prémio Nobel da Paz. Em que medida isso ajudou?
Foi muito importante que todo o trabalho que temos desenvolvido, desde há cinco anos, tenha tido um reconhecimento internacional, mas não podemos parar agora. Ainda há muito por fazer. É um processo. Pode demorar dez, 20 anos. Só não vale baixar os braços. Não queremos que as pessoas voltem a pensar em construir bunkers para se protegerem, como aconteceu nos tempos da Guerra Fria. Queremos viver livres de nuclear. O Prémio deu-nos voz e reconheceu–nos como parceiros a uma mesa de negociações. Há mais pessoas a prestarem-nos atenção. Agora é mais fácil, por exemplo, chegar à Imprensa. As pessoas sabem que não têm de aceitar a política de Trump. É por isso que lutamos.
“Humor, horror e esperança.” Como é que este vosso slogan se tornou ganhador?
Inicialmente, apostámos muito em mostrar o horror que pode esperar-nos ao permitirmos o uso de armas nucleares. Ao mesmo tempo, usámos algum humor, ironizando a questão, para permitir pensar um outro mundo à nossa medida. Porque só assim é possível manter a esperança. Misturar tudo é uma técnica conhecida do cinema. E resulta.
E está otimista quanto a essa missão em Portugal?
Muito. É inevitável que as pessoas digam não ao armamento nuclear. A história comprova-o. Há 30 anos, uma marcha popular avançou contra a instalação de uma central. O vosso Governo hoje salienta que o acordo com o Irão – que Donald Trump, Presidente dos EUA, rasgou, apesar de permitir o levantamento de sanções internacionais àquele país em troca do compromisso de Teerão de que o seu programa nuclear tem fins pacíficos – é para manter. Não esperamos outra coisa.