O que fazer com a herença deixada pelos regimes ditatoriais? A questão voltou a colocar-se, desta vez em Hamburgo, Alemanha, onde um antigo bunker nazi, que servia de proteção para milhares de alemães durante as ofensivas aéreas aliadas, será brevemente transformado num hotel de luxo.
A imponente estrutura semelhante a um castelo, com 75 metros de largura e 35 metros de altura, é também conhecida como “Hochbunker”, que se traduz em “bunker alto” e é um dos dos milhares de abrigos antiaéreos construídos em todo o país pelo Terceiro Reich. Foi projetado para abrigar cerca de 18.000 pessoas durante a 2ª guerra mundial. Depois do final do conflito, esteve quase para ser demolido, mas, de acordo com o site de turismo da cidade, a quantidade de explosivos necessários iria demolir também as habitações em seu redor. O espaço foi posteriormente utilizado por uma estação televisiva alemã e como espaço para eventos culturais. O hotel de 136 quartos, projetado pelo NH Hotel Group, será inaugurado em meados de 2021, e terá ainda um bar, um café e um restaurante. O plano é estendê-lo por cinco andares, semelhantes a pirâmides, com um luxuoso jardim no telhado capaz de oferecer uma vista panorâmica da cidade.
O desafio de integrar esses locais nas paisagens modernas é “como conciliar comemoração e consumo?”, disse ao jornal The Independent Thomas L. Doughton, professor na universidade de Holy Cross, em Massachusetts, que leva os alunos a visitas guiadas pelos locais do Holocausto em toda a Europa, como forma de explorar a “política da memória”. Thomas L. Doughton acrescentou ainda que cada vez mais turistas são atraídos pelo “turismo de terror”, contribuindo para aquilo que Doughton apelida de “gentrificação do terror”. O que preocupa algumas pessoas em Hamburgo, assim como noutros locais da Europa e no resto do mundo é “que o verdadeiro significado de alguns desses locais se desvaneça“. Segundo o site de turismo da cidade, até o final da 2ª guerra mundial, mais de mil bunkers foram construídos em Hamburgo, mais do que em qualquer outra cidade alemã. Hoje, cerca de 650 ainda estão intactos.
Em Portugal, foram vários os casos em que privados investiram em locais onde antes foram cenário de prisão, interrogatório ou tortura. O mais polémico esteve relacionado com a antiga sede da PIDE/DGS. O edifício de cinco andares na Rua António Maria Cardoso em Lisboa, alugado na altura à Casa de Bragança e onde estava escrita a frase de Salazar “havemos de chorar os mortos se os vivos o não merecerem”, é hoje um condomínio de luxo. O movimento “Não Apaguem a Memória” tem procurado preservar a memória do local. Chegou a negociar com o dono da obra, com a intermediação da Câmara de Lisboa, a instalação de um núcleo museológico dentro do edifício, mas sem sucesso.