Uma brasileira de 23 anos criou uma espécie de “clínica secreta” de aborto através da aplicação para smartphones WhatsApp.
A história de Abigail (nome falso) vem contada no site BBC News Brasil, cuja jornalista teve acesso às conversas durante cinco meses, falando, depois, com algumas das administradoras do grupo do WhatsApp que, contam, terem sido feitos 300 abortos nos últimos três anos através dos seus serviços.
Este grupo disponibiliza as chamadas pílulas abortivas utilizadas nos hospitais, mas que são de comercialização proibida. No Brasil, o aborto só é permitido em casos de violação, risco de vida da mãe e de anencefalia do feto (malformação do cérebro).
Os comprimidos são vendidos a preços que variam entre os €195 e os €325 e a maneira de os fazer chegar às mulheres é através do correio, dentro de uma caixa para CD’s.
Abigail contou à repórter brasileira que começou o grupo depois da sua experiência. Foi violada quando tinha 19 anos e, por que o criminoso ser um ex-polícia federal, não conseguiu registar a queixa na polícia (o Boletim de Ocorrência).
Segundo explica, e apesar de o aborto ser legal em casos de violação, quando foi ao hospital “eles duvidaram de mim. Pediram o Boletim de Ocorrência e eu não tinha.” A criança nasceu e tem todo o amor da mãe, mas Abigail decidiu que outras mulheres não deveriam passar pelo mesmo.
Sabe que corre grandes riscos – pode ser presa por “provocar aborto com o consentimento da gestante” e/ou por vender comprimidos proibidos. No entanto, preferiu fazê-lo para que outras mulheres não interrompam a gravidez de maneiras mais perigosas.
Durante a reportagem da BBC, 90 mulheres de várias localidades do Brasil estavam no grupo do WhatsApp. As que concluem ou que desistem de fazer o processo vão saindo e outras procuram o serviço – sempre através de um convite de alguém de dentro para entrar. A média é de cerca de 20 entradas por mês.
Além das administradoras, há as chamadas “guias”, mulheres que acompanham do início ao fim – virtualmente, claro, através de mensagens escritas ou de áudio e vídeo – um processo de aborto. Não têm formação médica, apenas os conselhos e dicas de médicos e enfermeiros que conhecem.
Durante os cinco meses em que a jornalista esteve no “chat”, por lá passaram uma rapariga de 13 anos grávida de um primo e uma outra que dizia ter sido vítima de violação, mas que tinha vergonha de denunciar. São descritos os momentos em que as mulheres tomam os comprimidos, as dores horríveis que sentem e as perguntas que fazem, como se devem ir para o hospital porque estão a sangrar muito. Houve casos em que foi necessária intervenção hospitalar porque o aborto não foi completo e ficaram partes do feto ou da placenta dentro do corpo.
As administradoras do grupo dão instruções para que não sejam descobertas quando procurarem ajuda, como, por exemplo, fingir um aborto espontâneo.
Mas, também, há o caso de uma grávida que desistiu de abortar e enviou as fotos do filho para o “chat”.