Dois dias fechado num carro. Quando precisava de comida e água, um colaborador levava-lhe discretamente as provisões. As necessidades fisiológicas, essas, fazia-as onde calhava. “Cheguei a urinar dentro do carro”, conta o paparazzo Rocha Carvalho, protagonista desta epopeia. Encontrava-se dissimuladamente estacionado em Carcavelos, Cascais, junto à casa de Rita Pereira. A atriz viajara, mas Carvalho sabia que o regresso estava iminente, para comemorar os seus 30 anos.
A longa espera foi compensadora. Rita voltou da viagem e, a certa altura, saiu de casa, em direção a uma discoteca em Alcântara, onde se realizaria a festa de aniversário, e o paparazzo seguiu-a. Ganhou a lotaria: a dado momento da noite, o futebolista Nani saiu sozinho do estabelecimento, mas logo foi seguido pela atriz. A câmara fotográfica de Rocha Carvalho tudo captou. Imediatamente surgiram capas de revistas do coração a falar na “proximidade cúmplice” entre Rita Pereira e Nani, à época (março de 2012) com 25 anos. E o paparazzo, o único de experiência feito que ainda resiste como freelancer, embolsou uma bela maquia – que não desvenda.
Os segredos rocambolescos dos paparazzi portugueses multiplicam-se. Hugo (relatou uma reportagem na revista do semanário Expresso, em 2006) treinava-se no Alentejo a fotografar os voos de uma andorinha. O Talibã (assim era conhecido) tanto se disfarçava de operário ou de turista, como se escondia em arbustos. Esperou noites seguidas, no aeroporto de Lisboa, pela chegada do então muito jovem Cristiano Ronaldo e de Merche Romero, vindos de umas férias românticas na Sardenha. Passou uma madrugada na copa de uma árvore, numa tentativa (frustrada) de captar imagens do casamento de Fernanda Serrano e de Pedro Miguel Ramos.
João Pereira, por seu lado, considera-se “o único que sempre quis ser paparazzo”, opção tomada ainda no curso de fotografia. “Um paparazzo não é mais nem menos do que um repórter-fotográfico”, argumenta. “E é por ser um trabalho tão difícil que há poucos – não por pudores éticos.” João é o detentor do jackpot mais facilmente conseguido e com maior impacto nos últimos anos da história dos paparazzi portugueses. Num dia de agosto de 2011, contornava no seu carro uma rotunda em Oeiras quando viu a fazer o mesmo percurso António Casinhas, companheiro há 15 anos de Cristina Ferreira e pai do filho da apresentadora da TVI. Obviamente, seguiu-o. Pouco depois, Casinhas parou o automóvel num parque de estacionamento ao ar livre de um centro comercial, mantendo-se no carro. De atalaia, o paparazzo presenciou a chegada de outro veículo, de onde saiu uma mulher, que se dirigiu ao automóvel de Casinhas e entrou no carro. Os beijos ardentes entre o casal começaram de imediato. Ainda à luz do dia, a máquina fotográfica de João disparava de rajada. “Cristina Ferreira traída por Casinhas” foi um furo que valeu cinco mil euros ao paparazzo. “A Cristina Ferreira não gosta de mim – mas, afinal, até lhe fiz um favor”, diz, hoje, João Pereira.
O ‘furgão escola’
Talibã, Rocha Carvalho e João Pereira iniciaram-se no métier como colaboradores de José Almeida. Todos passaram longas horas no interior de um velho furgão branco, no exterior do qual José Almeida colava inscrições de empresas fictícias – por exemplo, de venda, instalação e conserto de estores. As janelas estavam equipadas com cortinas, e o modus operandi era simples. Estacionada a carrinha nas proximidades das praias frequentadas por celebridades ou perto das suas casas, o cortinado seria ligeiramente afastado para dar lugar ao clique fotográfico no momento certo. Quando José Almeida, aos 29 anos, pôs a rolar o furgão, em 2005, iniciou-se em Portugal a profissão de paparazzo a tempo inteiro. Antes só existiram episódios aleatórios.
Mas desavenças na divisão dos cachês conduziram a que, a partir de determinada altura, cada um trabalhasse por sua conta e risco. E em concorrência hostil e feroz. Eram apenas quatro – ainda assim, demasiados para um diminuto mercado de famosos. Um quarteto em sprints permanentes: quem chegasse primeiro ao “talho”, para vender os “patos”, por norma ganhava a corrida, mesmo que depois um rival apresentasse à direção da mesma revista um melhor trabalho com a figura pública em questão.
Sabe-se no meio que houve apedrejamentos entre dois deles, exasperados pelos encontros indesejados nas mesmas trincheiras. E junto ao cabeleireiro de Eduardo Beauté, o favorito das celebridades, na lisboeta Avenida da Liberdade, só um podia trabalhar. Um arrumador de carros que ali dominava o pedaço, avençado para todo o serviço, incluindo o de informador, tudo fazia para impedir os concorrentes do “patrão” de fotografarem estrelas que se dirigiam ou saíam do salão. Até proibia que estacionassem o automóvel na zona. Enfrentá-lo era contraproducente. A regra n.º 1 de um paparazzo é não dar nas vistas…
Entre 2005 e 2012, foi um fartote. Um pack de cinco fotos “sem notícia”, do género de Alexandra Lencastre a passear no Chiado, mais Diana Chaves às compras, complementadas por outras três imagens de outras estrelas em propósitos idênticos, valiam de imediato mil euros ao paparazzo. “As revistas compravam tudo”, recorda João Pereira. “Qualquer coisinha servia para se publicar.” José Almeida dá uma ideia do que arrecadou naquele período de ouro. “Ganhava o suficiente para comprar todos os meses um Franck Muller Casablanca Chronograph” – um relógio que custa mais de 20 mil euros.
Uma boa dica de um informador podia ser remunerada com 50 euros. O negócio era florescente, ao ponto de as próprias celebridades telefonarem ao paparazzo da sua preferência, a convocarem-no para um trabalho no interesse de ambos. Uma famosa, por exemplo, tinha um contrato de patrocínio com uma marca de automóveis; o paparazzo combinado tanto podia mostrar a celebridade numa estação de serviço a pôr gasolina no carro, como, à chegada ao aeroporto de Lisboa de uma viagem, a colocar as malas na bagageira do automóvel.
O fenómeno até fez com que o Correio da Manhã desafiasse os seus leitores a fotografarem figuras públicas nas férias – pedido que ainda hoje mantém.
No vermelho
Em outubro de 2006, quando só tinha passado um ano sobre a sua decisão de deixar de ser repórter da imprensa diária e tornar-se paparazzo, José Almeida fez um dos seus trabalhos mais bem sucedidos. O ator brasileiro António Fagundes estava em Lisboa para uma temporada de exibição, no Teatro Tivoli, da peça Mulheres da Minha Vida, que protagonizava. José Almeida apanhou-o numa ida a pé do hotel onde se encontrava hospedado para o Tivoli. Mas Fagundes, à época com 57 anos, não caminhava sozinho. Seguia de mão dada com a jovem atriz Vivianne Brafmann, de 28 anos. Chegados à porta de entrada dos artistas, Fagundes e Vivianne despediram-se com “um beijo apaixonado”, como escreveu na legenda da foto a revista Caras, que comprou as imagens.
No texto intitulado António Fagundes fotografado com a misteriosa namorada, Vivianne, a Caras dava conta de “alguns dados curiosos” sobre o casal. Fagundes era amigo há mais de 30 anos da mãe de Vivianne, Cléo, também atriz. E tinha conhecido a então namorada ainda bebé. As fotos seriam vendidas para o Brasil, onde, claro, fizeram furor.
Dez anos depois, José Almeida é empresário no ramo do turismo. Em 2013 deixou de ser paparazzo. A crise, o resgate e a troika impuseram efeitos demolidores. “As revistas ficaram sem dinheiro para pagar o meu trabalho, esforço e sacrifício”, diz. Um exemplo: o furo que João Pereira conseguiu em Oeiras, da “traição de António Casinhas a Cristina Ferreira”, vale atualmente, no máximo, 2 500 euros – e teriam de ser muito regateados e pagos em prestações mensais. Metade do que lhe pagaram em 2011. E já ninguém se dá ao trabalho de fazer as tais “fotos sem notícia”. Valem zero.
Ainda nos foi possível encontrar José Almeida, mas Talibã desapareceu de circulação sem deixar rasto. João Pereira, esse, na casa dos 30 anos, cedeu às evidências e empregou-se numa revista do coração. Há de ser, aliás, dos raríssimos repórteres-fotográficos destas publicações que fazem imagens de paparazzi com gosto e saber, no atual rebuliço do Algarve, em busca de cachas. “Os outros, quase todos, fazem-nas porque tem de ser…”, testemunha uma jornalista da área. A Rocha Carvalho, o paparazzo que resiste por conta própria, já iremos.
Sandra Cerqueira, diretora da TV Mais, diz ir ao limite das possibilidades para comprar fotos de um paparazzo que “deem capa ou chamada de capa”, apesar da redução orçamental. Mas enfrenta um problema: “Os bons trabalhos são mais difíceis de conseguir.” A razão está à vista – os especialistas que se iniciaram no velho furgão branco de José Almeida praticamente desapareceram.
Malditas redes sociais
De jato, o diretor da revista TV 7 Dias, Vítor Crisóstomo, aponta os tiros que afundaram o porta-aviões dos paparazzi. “As redes sociais, onde cada vez mais os famosos partilham fotos, os paparazzi combinados e a contenção de custos, que implica uma maior negociação no momento de comprar material.” Muito do negócio perdeu-se por aqui, confirma José Almeida. Que assume peso na consciência por invadir a privacidade de terceiros. “Como ser humano”, confessa, “não me sentia bem naquele papel, e quando já nem financeiramente conseguia compensar essa falha, decidi parar.”
A diretora da TV Mais conta que, hoje em dia, “é muito frequente” material publicado por celebridades no Facebook ou no Instagram resultar em capas. “De um modo geral, tudo o que os famosos põem numa rede social, sobretudo em páginas oficiais, tem o objetivo de divulgar a sua imagem, o seu trabalho, os seus patrocínios”, explica Sandra Cerqueira. “E quem melhor lida com esta área são Rita Pereira, Cristina Ferreira e Lourenço Ortigão.” E se Cristina Ferreira lançou uma revista com o seu próprio nome, Rita Pereira criou um canal no YouTube para vender a marca… Rita Pereira.
Longe vão os tempos de cumplicidade entre celebridades e paparazzi, que ajudava a alimentar duas casas. Uma atriz chegou ao ponto de filmar o automóvel de um paparazzo, colocando o vídeo numa rede social, para alertar os colegas. Um carro queimado é um prejuízo de monta.
Além da (irónica) exposição indesejada, os paparazzi também têm de se proteger de processos-crime. Há regras elementares: as fotos têm de ser tiradas em locais públicos e ocultar o rosto de crianças, os números das portas das casas dos famosos e as matrículas dos carros (ver caixa O que diz a lei). Mas, ainda assim, surgem problemas. Um dos mais mediáticos foi o conflito que opôs Catarina Furtado à Caras. No verão de 2006, a revista publicou um trabalho-paparazzo de um jantar familiar num restaurante lisboeta, comemorativo de um aniversário da apresentadora. Catarina não se conformou. Estava decidida a avançar com um processo. Luísa Jardim, à época diretora da Caras, enviou-lhe um ramo de flores, com um pedido de desculpas em nome da revista, mas não a demoveu. Mais tarde, porém, Catarina desistiu. “Com diálogo, tudo se resolveu”, diz Ana Oliveira, editora executiva da Caras.
De outro calibre é a gaffe da revista Nova Gente, a 23 de maio de 2014. A capa anunciava que Judite de Sousa e Isabel Figueira saíam “com o mesmo homem casado”, o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, conclusão ilustrada por duas fotos. À tarde, o (suposto) político aparece deitado numa praia ao lado de Isabel Figueira. E, numa foto noturna, acompanha Judite de Sousa à saída de um restaurante. Na verdade, quem estava no areal com Isabel Figueira era o realizador Henrique Blanc, amigo de infância da apresentadora.
Cada um dos quatro visados pela gaffe da Nova Gente intentou o seu próprio processo por denúncia caluniosa. Passados dois anos, o caso continua por julgar (o trâmite judicial esteve suspenso da aprovação do Plano de Revitalização Especial da Impala, dona da Nova Gente e de outras revistas, o que só ocorreu a 17 de junho último). E há uma nuance insólita. Henrique Blanc revelou à VISÃO que, nos fundamentos da queixa, também denuncia o que considera ser a manipulação de uma foto, no texto em que a Nova Gente se penitencia do erro: o seu rosto e o de Luís Montenegro surgem lado a lado, com uma legenda sob o título Semelhança extraordinária, e o realizador alega que aparece com um sinal no lado esquerdo da cara e que lhe arredondaram o nariz, para o tornar parecido com o deputado do PSD. O diretor da Nova Gente, Luís Gamboa, não respondeu às tentativas de contacto da VISÃO.
‘Não quero incomodar ninguém’
Foi Rocha Carvalho, o paparazzo especialista que resiste sozinho por conta própria no mercado, quem fez as fotos de Isabel Figueira e do suposto Luís Montenegro na praia, e as vendeu à Nova Gente. A partir daqui, lava as mãos. Argumenta que cabia à revista, e não a ele, investigar a veracidade do que as imagens pareciam mostrar. De resto, diz que os seus trabalhos são “limpos e bonitos.” E assegura que “salta fora” se a pessoa que está a fotografar se apercebe da situação. “Não quero incomodar ninguém.” Mas também afirma que a sua técnica evoluiu ao ponto de tirar fotos a dois metros de distância sem que o visado se dê conta. E, já agora, move-se sob uma máxima peculiar: “Não sou eu que tenho de fugir das figuras públicas. São elas que têm de fugir de mim.”
Ex-barman, 40 anos, encontramo-lo algo desanimado. Os famosos, diz, “têm menos folga financeira” para saídas de folia. “Houve tempos em que chegava a casa com sete, oito trabalhos. Hoje, se trago dois já é bom.” Mas continua a esgravatar: funciona com mais de meia centena de informadores, o que lhe permitiu surpreender Bárbara Guimarães numa saída noturna com o ex-futebolista Abel Xavier ou num passeio romântico com o empresário Kiki Neves, ou Cristina Ferreira na companhia “cúmplice” de um modelo. Nunca fez um trabalho-paparazzo combinado, garante. E não vende “trabalho nenhum por menos de 250 euros”. Mas algumas revistas já lhe recusaram pagar esse mínimo. “É até ofensivo”, exalta-se. “Estes trabalhos implicam riscos, têm um saber e uma arte.” Rocha Carvalho é um paparazzo na corda bamba. “Não sei se daqui a seis meses vou ter de mudar de vida.”