Como cronista regular ou com colunas de opinião esporádicas, Diogo Freitas do Amaral escreveu na VISÃO ao longo de mais de década e meia. Nos seus textos, abordou a atualidade nacional e internacional, sempre de forma livre e independente. Neles, anunciou publicamente o seu sentido de voto em diversas eleições, manifestou-se contra a invasão americana do Iraque, apresentou propostas para o País e para a Europa, confidenciou os seus receios, angústias e esperanças.
Releia aqui extratos de alguns dos seus textos:
“Irá a Europa fechar-se em si própria?”
A escolha do presidente da Comissão Europeia devia ser feita pelo eleitorado e não pelos Governos. A elevada taxa de abstenção nas recentes eleições europeias confirmou o desinteresse dos eleitores: para quê votar num Parlamento quando o primeiro-ministro já está escolhido de antemão?
In Uma política externa para a EU – Visão, 17 de junho de 1999
“É preciso evitar que a soberania de cada país seja reduzida a zero, para impedir que Marx renasça das cinzas a reclamar, outra vez, a nacionalização dos principais sectores económicos”
A próxima campanha eleitoral será uma excelente oportunidade para que todos os partidos políticos portugueses — mas sobretudo o PS e o PSD — digam claramente ao País que medidas tencionam tomar, a curto e médio prazo, para preservar o desejável grau de controlo nacional, público e privado, sobre os sectores-chave da nossa economia — sem pôr em causa os princípios basilares que regem a União Europeia. Será esse o mais difícil — e o mais importante — dos problemas que teremos de enfrentar e resolver na próxima legislatura. Muitos cidadãos, como eu, farão a sua opção de voto, em Outubro, em função das propostas que até lá forem (ou não) apresentadas sobre este assunto crucial. O caso Champalimaud-Santander, sendo relevante em si mesmo, é sobretudo importante pelas questões genéricas que levanta. É delas que é preciso começar a falar quanto antes.
In Sobre o Caso Champalimaud – Visão, 8 de julho de 1999
Que os EUA, sentindo-se no auge da sua força e do seu poderio, queiram mandar no mundo é compreensível. Agora, que haja europeus, em pleno berço da civilização ocidental, que aceitem e gostem de ser mandados pelos EUA já é bastante menos compreensível.
À luz do Direito Internacional, um ataque americano ao Iraque, sem haver legítima defesa, porque não há agressão, só é lícito se for previamente autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU é o que dizem Chirac, Schröder, Putin e, entre nós, o Presidente Jorge Sampaio. A questão é clara como água. E só não a vê assim quem não quer ver. Nos EUA, porém, predomina hoje uma concepção radical, agressiva, belicista, que vê tudo ao contrário: O interesse nacional americano está acima de quaisquer outros interesses, mesmo legítimos, da Comunidade Internacional ou de outros países, mesmo aliados; Os EUA não se consideram vinculados por nenhuma norma jurídica internacional, nem por nenhuma resolução da ONU, nem por nenhuma sentença do Tribunal da Haia; Os EUA detêm a força militar e isso confere-lhes o direito de intervirem onde e como quiserem (might is right); Os EUA são a única hiperpotência mundial e isso investe-os na missão de liderar o planeta e de impor a todos os paíseso american way of life: uma democracia à americana, uma economia à americana, uma cultura à americana; Os EUA tudo farão para que nenhum outro país ou bloco de países iguale ou supere o poder político, militar e económico americano; A função dos aliados dos EUA não é dialogar, sugerir, concertar posições comuns, mas ouvir, compreender e aceitar as políticas definidas pela administração norte-americana e, se tal lhes for indicado, colaborar subordinadamente na respectiva execução, sempre sob o comando e fiscalização dos EUA. Perante isto, que fazer? Uns têm vocação para subalternos e preferem obedecer. Outros só aceitam uma «parceria com respeito mútuo» e, quando pressionados ou coagidos, protestam e desobedecem. Foi o que fizeram, esta semana (honra lhes seja!), a França, a Alemanha e a Bélgica. A Rússia, de fora da UE e da NATO, também os apoiou. A China não tardará a fazê-lo. Ficou, assim, exposto, em toda a sua nudez e crueza, o poder imperial dos EUA forte, rico, arrogante, já com vários «seguidistas» e o núcleo dos resistentes, dos que não aceitam facilmente o diktat de Washington.
In Guerra justa ou poder imperial? – Visão, 13 de fevereiro de 2003
❝Há uma disciplina que faz hoje a maior falta: é a Cultura Geral❞
Uma cadeira de Cultural Geral, com as noções básicas da Literatura europeia (pelo menos), da Música, da Pintura, da Escultura e da Arquitectura, afigura-se-me absolutamente necessária – sobretudo quando se sabe que, graças à massificação do ensino (positiva), a maioria dos nossos alunos do Superior não assimilaram em casa os fundamentos essenciais da Cultura Geral. É também em benefício dos economicamente mais desfavorecidos que uma tal disciplina deveria ser criada.
Tenhamos todos presente esta ideia: com o baixo nível científico e cultural que caracteriza a grande maioria dos alunos que terminam o nosso Ensino Secundário, estaremos sempre na cauda da Europa. E que grande humilhação nacional não será, dentro de uma década ou duas, passarmos – quase sem dar por isso – da cauda da Europa dos 15 para o terço inferior da Europa dos 25! Que terrível pesadelo! E que grande fracasso para a nossa geração!
In Crise do Ensino Secundário – Visão, 20 de novembro de 2003
“Com a mesma liberdade de espírito e de atitude política com que apoiei, em 2002, o PSD de Durão Barroso, apoio agora, sem hesitar, o PS de José Sócrates”
Acho indispensável que ao PS seja concedida uma maioria absoluta não como benesse, mas como responsabilidade. Não se pode governar (e muito menos governar com espírito reformista) sem fazer aprovar, na Assembleia da República, durante a próxima legislatura, quatro Orçamentos de Estado e dezenas de leis inovadoras e ousadas. Ou o PS conta com uma maioria disposta a aprovar-lhe os orçamentos e as leis, ou o Governo terá de negociar tudo, caso a caso, com a Oposição. É como se obrigássemos um amigo nosso a resolver os principais problemas da sua vida por negociação e acordo com os seus três maiores inimigos! Que seria? Querer que o PS governe bem, mas não lhe dar a maioria absoluta, é o mesmo que contratar um grande piloto de Fórmula 1, dizendo-lhe: «Encarrego-te de ganhar o Grande Prémio do Mónaco, mas não te posso dar um Ferrari: terás de concorrer ao volante de um Volkswagen.» É absurdo! Portanto, e em resumo, o que proponho é: não deixar de votar; votar no PS; e dar-lhe uma maioria absoluta. Tudo o resto servirá apenas para prolongar a agonia de um País que merece melhor sorte.
In O voto necessário no PS – Visão, 27 de janeiro de 2005
“Em apenas quatro dias, Obama pôs fim a oito anos de absolutismo, em que Bush se sentiu como Luís XIV”
Para mim – que comecei e desejo terminar como democrata-cristão, centrista, e fortemente empenhado na luta contra a pobreza e as desigualdades sociais – o discurso e as primeiras medidas de Obama foram um reconforto moral, intelectual e político. A esquerda não o criticou por falar cinco vezes em Deus, nem a Direita o atacou por ele condenar Guantánamo ou querer beneficiar os mais pobres, em vez de fazer favores aos mais ricos. Vêm aí tempos difíceis. Obama não é, nem deve ser visto como um santo milagreiro. Mas é bom ver o mais poderoso e mais rico país do mundo governado por uma pessoa capaz, esclarecida e humanista – e não mais por um presidente, no mínimo autoritário, indiferente ao Direito e profundamente equivocado nas suas opções básicas.
In De Bush a Obama – Visão, 29 de janeiro de 2009
“Não me parece nada conveniente extinguir logo os off-shores e os paraísos fiscais: é preciso ir apanhar os lobos no seu covil”
Por mim, que não sou economista mas jurista, acho que é preciso começar por acabar com a economia mundial clandestina. Muitos dos escândalos a que estamos a assistir são puros casos de polícia! E, depois, é preciso acordar os reguladores que dormem. Ou criar novos reguladores que actuem. A grande finança internacional vive hoje sem regras, sem fiscalização e sem sanções. É a lei da selva.
In Fortunas Clandestinas – Visão, 26 de março de 2009
“O BE, muito certeiro em relação ao que está mal, é pouco claro e transparente quanto às suas opções ideológicas e políticas”
O Bloco de Esquerda (BE) está de vento em popa: os seus cartazes são muitos e eficazes, o seu líder fala bem e põe o dedo nas feridas, as sondagens são muito encorajadoras. Será que lhe vai acontecer o mesmo que sucedeu ao «meu» CDS, que de 1975 para 1976 conseguiu duplicar o número de votos e triplicar o número de deputados? Esse feito histórico beneficiou de vários factores conjunturais irrepetíveis, mas devem-se também a um motivo inquestionável: é que o CDS e o seu presidente, se eram claros e contundentes nas críticas que faziam ao que estava mal, também eram de uma total transparência em relação ao modelo que pretendiam para Portugal: uma democracia civilista sem tutela militar, numa economia social de mercado; e a nossa adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE hoje UE).
In Sete Perguntas a F. Louçã – Visão, 21 de maio de 2009
“É necessário reduzir o número dos funcionários públicos, mas sem os mandar para o desemprego”
Transformar o “Estadio-prestador” em “Estado-garante”. Esta será, a meu ver, a chave da solução do problema do futuro do Estado Social. As prestações de justiça social (sobretudo aos mais desfavorecidos, e não a todos os cidadãos) têm de ser garantidas pelo Estado, pois correspondem a direitos fundamentais de carácter social dos cidadãos. Mas isso não implica que tenha de ser sempre e só o Estado a efectuá-las: a Constituição e a lei deviam permitir aqui, como no Direito Civil, o «cumprimento por terceiros». Famílias, associações, fundações, cooperativas, empresas, autarquias, misericórdias, instituições particulares de solidariedade social – em suma, a sociedade civil –, todos deviam ser envolvidos num ambicioso «pacto nacional de justiça social». Algo se tem feito nesta direcção; não será preciso partir do zero; mas é necessário dar coerência ao conjunto, e dinamizar as hostes. Entre o PS e o PSD + CDS/PP, quem for capaz de perceber e praticar isso será o mais recompensado nas eleições das próximas décadas.
In O Futuro do Estado Social – Visão, 1 de março de 2010
“Por tudo isto, e pelo mais que é óbvio – apesar do meu respeito por alguns dos outros candidatos -, vou votar em Cavaco Silva”
Com crise ou sem crise, o PR – quando eleito por sufrágio direto e universal – pode e deve ser o último recurso a quem apelam os cidadãos e as instituições em situação difícil, ou desesperada, a quem os outros poderes públicos se podem dirigir quando mais ninguém os ouve. Isto acontece sobretudo com os partidos da oposição, com os sindicatos e com os cidadãos anónimos maltratados pela Administração ou pela Justiça. Só à luz destas realidades se compreende bem, em sentido amplo, a função constitucional que faz do Presidente o “garante do regular funcionamento das instituições democráticas”. O PR é, pois, o que o chefe de um governo nunca pode ser – um árbitro imparcial, um regulador do sistema, o garante da vivência democrática. É como a reserva-ouro de um banco central: não circular, mas garante”
In Para que serve um Presidente – Visao, 6 de janeiro de 2011
“Passos Coelho tem essa postura democrática aberta, que José Sócrates foi perdendo ao longo dos seus anos de primeiro-ministro”
No outono de 2010, alertei aqui, na VISÃO, para que ou José Sócrates tomava urgentemente as medidas que se impunham, ou outro Governo as tomaria, após a sua queda. Pelos vistos, não me enganei muito.) Em conclusão, penso que, se José Sócrates pareceu poder ser um bom comandante enquanto o navio singrava em águas tranquilas, o certo é que, quando apareceu a borrasca, em vez de a tornear e conduzir o barco e os passageiros a bom porto, ele deixou-se levar para o meio da tempestade e colocou-nos num redemoinho muito perigoso, que ameaça afundar-nos de vez.
Vamos escolher para nos tirar do buraco negro quem nos atirou para lá? Como acreditar que José Sócrates é a pessoa indicada para salvar o navio, se ele continua a negar que tenhamos estado no meio de qualquer tempestade? A sua governação foi indo de mal a pior.
É por isso, aliás, que, depois de uma maioria absoluta em 2005, ele passou a chefiar um Governo minoritário em 2009 (cartão amarelo) e está à beira de perder as eleições de 2011, recebendo o merecido cartão encarnado. Em meu entender, não deve continuar a ser primeiro-ministro; teve a maioria do País com ele e perdeu-a. O seu tempo passou.
In O duplo aspecto da eleição de 5 de junho – Visão, 26 de maio de 2011
“A má gestão da zona euro já produziu pelo menos um efeito incontestável: cinco anos sem crescimento na Europa. Que fazer agora?”
Primeiro caiu a Grécia, mas era um problema só deles. Depois foi a Irlanda, mas não era muito importante. A seguir foi Portugal, mas era só o sul europeu. Afinal, não era: a Holanda está sem governo há meses por causa da crise; e a Itália, com violação do espírito da Constituição, tem um governo de tecnocratas aprovados por Bruxelas. No passado fim de semana, caiu a Espanha (em um só joelho, mas caiu). E vão seis… O que, em 17 membros da zona euro, representa 35 por cento! O sonho de Bismarck começa a concretizar-se: também ele começou com uma «união aduaneira» (zollverein); depois fortaleceu a Prússia; a seguir excluiu da confederação germânica a Áustria e a Hungria (os periféricos da época); e por fim derrotou a França em Sedan
(1870). Tudo isso, aliás, acabou por ser em vão: o enorme poderio alemão foi derrotado em 1914-18 e em 1939-45 (E sê-lo-ia de novo, se fosse preciso).
In …E vão seis – Visão, 14 de junho de 2012
“Como disse Churchill, ‘às vezes é necessário mudar de voto ou de partido, para não ter de mudar de princípios’”
Não espero milagres. Já não acalento muitos sonhos. Sei mesmo que vou discordar de algumas medidas que o PS teima em querer fazer suas, e que melhor seria deixar para pequenos partidos marginais. Mas espero e exijo que o PS mantenha o código genético que lhe imprimiu Mário Soares: Democracia, Europa, Estado Social. Tudo numa linha moderada de progresso, e nada numa linha radical de regresso ao Estado Liberal hoje infelizmente protagonizada pelo PSD, que não nasceu com essa vocação. Onde paira o espírito social e progressivo de Sá Carneiro e dos outros social-democratas que o acompanharam? Se houvesse uma verdadeira AD, de caráter vincadamente social e progressista como a que fizemos em 1980, não seria com certeza necessário que tantos sociais-democratas e democratas cristãos (como eu) tivessem de votar nos socialistas. Mas há que ser pragmático: justiça social em democracia e na Europa, hoje, só com o PS.
In Em quem votar – Visão, 10 de setembro de 2015