A edição de maio da revista CAIS permitiu a Marcelo Rebelo de Sousa juntar não duas, mas três coisas que lhe são caras. Uma é coisa do passado: o jornalismo, o planeamento de uma edição impressa, a chefia de uma redação. Só que, ao contrário do que fazia nos seus tempos de diretor do Expresso e do Semanário, o Presidente teve agora de o fazer à distância, por mail. Outra é coisa do presente: os sem-abrigo, que o fez percorrer as ruas a distribuir comida e o pôs a vender revistas a que passava, à hora do almoço de dia 9 de março, em Belém. Outra é coisa do futuro: a juventude, que elegeu como tema central e fio condutor de toda a edição da nova revista.
“A minha escolha dificilmente poderia ser outra”, escreve Marcelo no editorial. E justifica: “acredito que Portugal tem um desígnio de futuro. Nações que se limitam ao comprazimento passadista, se satisfazem com a inércia, que renunciam ao desafio e à mudança são sociedades mortas. Sem passado não há presente nem futuro. Mas o futuro é muito mais do que uma evocação do passado ou uma autossatisfação com qualquer presente. Eu acredito no futuro de Portugal e sei que o País já começou a criá-lo com a sua juventude.”
No fim da sua prosa, deixa dois desafios a essa juventude: um primeiro, que é a “construção do próprio futuro” e um segundo, “para que assuma o compromisso da solidariedade e, consequentemente, de um Portugal muito mais justo”, onde “todos contam.”
Seguem-se depois 68 páginas cheias de histórias.
Para retratar a realidade da CAIS, surge Olívia Silva, 67 anos, vendedora da revista na zona de Celas, em Coimbra, que teria gostado de ter sido médica e hoje se anima com a primavera e as canções do Marco Paulo.
Marcelo escolheu depois dois protagonistas mais conhecidos – o professor nonagenário Adriano Moreira e o atleta trintão Nelson Évora – de gerações bem diferentes, para “debaterem o mesmo tema”. Cada um escreve um texto respondendo ao desafio lançado pelo Presidente, que lhes pergunta “Que desafios traz o futuro aos jovens?”
Como nem só de vozes soltas se faz a vida, Marcelo também quis dar voz a duas instituições que se dedicam a ajudar os outros. Cá dentro, a Casa de Protecção e Amparo de Santo António, que desde 1931 presta apoio à mãe solteira e cujas instalações eram bem perto da casa de família do Presidente, na Lapa. Hoje, a Casa de Santo António fica na Calçada das Necessidades e já se divide em três “Casas”: a das Mães, a das crianças (uma creche dos três meses aos quatro anos) e a dos Sabores (que confeciona e vende comida para fora). Para representante da rubrica “Salvar o Mundo”, mas que atua lá fora, o Presidente escolheu a AMI, Assistência Médica Internacional, que desenvolve ações em mais de 80 países, nos cinco continentes, e é dirigida pelo médico e ex-candidato presidencial, Fernando Nobre.
Mas porque o tema central é a juventude, Marcelo decidiu dedicar a grande reportagem aos “Jovens Nem-Nem”. Serão cerca de 300 mil, em Portugal. Têm entre 15 e 34 anos e “não trabalham, não estudas, nem estão a ter formação.”
Marcelo é um esteta. Tem a casa forrada de quadros e não perde uma oportunidade para visitar uma exposição. Não é de estranhar, portanto, que tenha querido incluir na “sua edição” de maio uma “narrativa fotográfica”. Homem doce, de afetos, já se sabe, escolheu uma imagens do fotógrafo Mário Cruz, que as juntou sob o título “Roof (Teto)”. De uma grande dureza, retratam com crueza, segundo o fotógrafo, “vidas frágeis e lutas solitárias”, que para escapar “à fria calçada portuguesa”, encontram abrigo em “fábricas abandonadas, vilas esquecidas ou edifícios em ruínas”.
O passado já lá vai é o presente é onde o homem atua para mudar o futuro. Marcelo acredita na força da mudança. Por isso, escolheu “a volta ao mundo de oito meses”, de três portugueses que viajaram da Nova Zelândia a Los Angeles, passando pela Polinésia, Ilha da Páscoa, Estados Unidos, Canadá, Alasca e Europa, para mostrar como uma viagem pode ser transformadora.
Há mais, na edição da CAIS. Há até uma pequena sugestão cultural do Presidente. Mas se se contasse (e mostrasse) tudo, o leitor não ia comprar a revista, nem contribuir para uma das últimas causas de Marcelo.