Os “dinossauros” não se abatem. Candidatam-se. Aos 70 anos, depois de “dois anos de cama” a ultrapassar uma depressão, Avelino Ferreira Torres pretende regressar à ribalta autárquica. Como se vê, a notícia da sua “extinção” política foi manifestamente exagerada. Há dias, o homem dos sete mandatos na Câmara Municipal de Marco de Canaveses anunciou, na sua página no Facebook, a candidatura ao município de Amarante no próximo ano. Se o fará pelo CDS ou à cabeça de uma lista independente, como em 2005, logo se verá. “Chegou a vez de fazer uma mudança para a terra que me viu nascer”, escreveu nas redes sociais, agradecendo os apregoados apoios e prometendo transformar a cidade de Amadeo de Souza-Cardoso numa “terra de Liberdade, Esperança e Paz”.
Entre 2005 e 2013, Avelino somou três derrotas em eleições autárquicas seguidas (em Amarante, uma, e Marco de Canaveses, duas). Seguiu-se “uma fase conturbada” da sua saúde que, em anos mais recentes, o deprimiu. Diz ter estado mais de dois anos fechado em casa, sem vontade de conviver, sem fazer mais do que ir da cozinha para a cama e da cama para a cozinha. “Tomei quilos de comprimidos”, confessou, em recente aparição televisiva. Sempre se considerara “um trator” em matéria de trabalho, mas, quando se viu assim, quase baixou os braços: “Deu-me vontade de ir para os anjinhos”, confessou.
Agora recuperado, de novo de língua afiada, promete agitação autárquica de monta no seu torrão natural nas próximas eleições autárquicas.
Sabe mesmo o que ele andou para aqui chegar?
Era uma vez no Marco
No tempo de Avelino Ferreira Torres à frente dos destinos de Marco de Canaveses havia um regulamento municipal feito à imagem do seu presidente. Rezava assim: salvo datas festivas, era expressamente proibido “cantar, tocar instrumentos de qualquer espécie, fazer descantes ou serenatas” em todo o concelho durante as 24 horas do dia.
Em Marco de Canaveses, terra de Carmen Miranda, o silêncio era, por essa altura, ensurdecedor. Mas de lei.
A presidir de forma musculada à autarquia do interior do distrito do Porto, banhada pelo Tâmega, encontrava-se um antigo trabalhador de serração e vendedor de armazém de mercearias finas, com pêlo na venta e currículo a condizer. Avelino vendera automóveis, criara empresas têxteis, deixando um lastro de polémicas e irregularidades. Deixou a meio um curso de gestão, foi vereador da Câmara de Marco de Canaveses em 1979 e apanhou-se na presidência a partir de 1983, empunhando a bandeira do CDS, saindo em 2005.
Na sua biografia oficial, editada em 2000 e escrita por Sanhudo de Portocarreiro, pseudónimo de um adversário de outros tempos reciclado para as boas graças de Avelino, destacava-se o homem simples, com o bom hábito de “avisar atempadamente a família quando não vai almoçar, jantar ou pernoitar” e que nunca usava moedas nos bolsos por razões de higiene e porque deformam a roupa. “Face a um peditório, se me convenço de boa intenção, meto a mão ao bolso e não me preocupo com o que vai sair. O que estiver à mão é o que vai”, dizia o autarca. Quem assim falava assumira publicamente escapadelas ao fisco, para além de namoriscar a fanfarronice. “Já antes de ser autarca, evidenciava sinais exteriores de fortuna, fazendo vida larga e tendo rasgos de generosidade, superiores até ao da própria oferta de um carro”, reza o livro.
A biografia tentara provar à saciedade que a fama e os proveitos do protagonista vinham de longe, bem como o seu caráter, dito moderado e tolerante. A obra, com argumento do próprio, reproduzia, com toques de pó-de-arroz, um Ferreira Torres sem borbulhas.
Nasceu em 1945 na freguesia de Rebordelo, Amarante, um de 14 irmãos (o mais famoso foi Joaquim Ferreira Torres, cabecilha da rede bombista de extrema-direita no pós-revolução, assassinado em 1979, crime nunca desvendado). Até por força das circunstâncias, desde cedo o “pequeno Avelino” mostrou dotes nas artes de resineiro e aguadeiro, enquanto se envolvia em pancadarias na escola. “Era a raiz de uma personalidade que estava em formação e que sairia forte e vencedora”. E era também o tempo em que o rapaz, qual bichinho-carpinteiro, corria célere a recolher fundos “a favor dos tuberculosos pobres”.
Muita rodagem de vida feita depois da memória das cachopas da infância que “gostavam da sua maneira de estar, da sua presença”, sem que ele, note-se, tivesse “uma predileção especial por se abeirar delas”, Avelino era apresentado como o homem “que sabe dormir depressa”, “que não tem motorista porque não quer, que não tem guarda-costas porque não precisa, pessoa a quem se fala a qualquer dia e a qualquer hora”. Fosse no trato pessoal ou no âmbito da sua atividade de gerente comercial ou de industrial de serração de madeiras, Ferreira Torres gabava-se de deixar saudades por onde passava. Aqui na terra e mais além. “Ainda hoje, quando, numa verdadeira romagem, vai por essas terras adiante reviver velhas amizades, é com a maior simpatia que abraça e é abraçado pelos clientes de outrora. Agora já quase todos reformados. Muitos dos quais já não pertencendo ao mundo dos vivos!”.
Formado em futebol e em letras de banco, no seu próprio dizer, fez gala de nunca ter lançado “uma praga, uma expressão de amaldiçoamento”. Não o permitia “a natureza do seu ser”, ainda que ele, parafraseando Salazar, recomendasse “uns mosquetes dados a tempo…”.
Na sua biografia autorizada nada se dizia sobre o homem também acusado de gerir o concelho como um qualquer Zeca Diabo novelesco. Mas ele nunca se escondeu: sempre gostou de resolver conflitos com dignificantes lambadas e insultos. A obra também não gastava uma linha a falar das diversas investigações policiais e processos judiciais por causa dos seus modos, arbitrariedades e alegados malabarismos financeiros.
Por norma, ele nunca desmentiu os feitos de valentão. “As pessoas sabem que, quando bato, deixo marcas. Cá, as coisas resolvem-se à lambada, que é mais dignificante”, dizia. Os seus adversários afirmavam a pés juntos e de “dossiês” na mão que ele geria o município de uma forma “autoritária, trauliteira e fulanizada”. Acusavam-no de ter enriquecido muito, à vista desarmada. Aqui e ali, insinuavam-se ligações ao submundo do crime. Nunca foi condenado. Perdão: em 2004, no Tribunal do Marco de Canaveses, foi condenado a três anos de cadeia, com pena suspensa, por crime de peculato. Porém, dois anos depois, a Relação alterou a qualificação do crime para abuso de poder, atenuando a pena para dois anos e três meses. Entrou-se então na roda de sucessivos recursos e a pena foi considerada prescrita em 4 de maio de 2011.
Adversários acusaram-no de fazer do Marco “o buraco negro da democracia”. O visado ria-se e troçava de tais dizeres. “A canalhada que diz que há défice democrático no Marco pode vir falar comigo. Eu vou sozinho e sem guarda-costas!”, desafiara.
No Marco do seu tempo, os diálogos em voz alta sobre as polémicas que envolviam o presidente eram topados a léguas por gente de confiança. Nas ruas, havia quem receasse falar ou ser visto com alguns oposicionistas de Avelino, que chegou a gerir o município com mão-de-ferro escudado numa maioria PSD-CDS. Havia quem recusasse conversa e fotografias. Mas outros assumiam divergências de peito aberto, na praça pública, enquanto se diziam vigiados. Um clima asfixiante em que Avelino respirava como se fosse ar puro. “Já tenho afirmado várias vezes que sou o João Jardim do Continente”, lembrava, na época.
No Marco vivia-se “uma ausência de liberdades e um exercício de violência física em formato de telenovela brasileira”, onde “o coronel” gostava de “molhar o bico”, explicara Miguel Portas, dirigente do Bloco de Esquerda, já falecido. “O João Jardim é mais verborreia. Este utiliza capangas, é menino para contratar alguns jagunços, amedrontar pessoas e acertar-lhes o passo”, referia também João Belmiro, ex-candidato comunista à Câmara. “O que eu não quero é que me chamem drogado e ladrão”, pedia Avelino, aos microfones da Marcoense FM.
O cenário estava montado de antanho e o folhetim, com uma ou outra variante, continuou em cena, com sucesso, por vários mandatos. Os adversários de Avelino, a dada altura acantonados numa denominada Associação de Amigos do Marco – a quem o autarca apelidara de “grupelho de comunistas, socialistas e fascistas” – garantiam que, direta ou indiretamente, ele controlava a maioria das instituições da cidade. Com ramificações várias “e perigosas” a nível político, desportivo e empresarial.
Aquele movimento lançara mesmo um jornal para combater o que os seus fundadores consideravam “a versão pimba” de Luís XIV. O Notícias do Marco era dirigido pelo mestre em Filosofia, João Magalhães, figura de quem Avelino, em reunião pública do executivo camarário, dissera não ter sequer “cabedal para levar no focinho”.
Avelino dominava a generalidade do panorama mediático no concelho.
Aos microfones da Marcoense FM, então instalada num edifício da autarquia e gerida por um funcionário camarário, o autarca chamou “camarilha”, “morcegos”, “caloteiros” e “estúpidos” aos adversários. Ameaçou “acertar o passo” a uns, partir a cara a outros e, num caso, prometeu fazê-lo com tal empenho que os bombeiros teriam de ser obrigados a levar o visado para o Porto. Nisto de “molhar a sopa” ele não deixava créditos por mãos alheias: “Dá-me gozo é bater eu!”.
Copinhos de leite e colinho
À conta de zaragatas, linguagem destravada e feitos semelhantes, o caudal de episódios engrossou com o tempo. Mas a fama vinha de longe. No final dos anos 80, as integrantes do grupo musical Doce foram corridas do Marco à conta de “lambisgoias” e “badamecas” só porque não autorizaram a gravação do concerto para posterior transmissão através do emissor pirata que o presidente tinha em casa.
Em matéria de ajustes e desaguisados, o autarca nunca deixou de manter conta-corrente digna de cadastro. Havia relatos de empresários agredidos, perseguições de automóveis e cadeiras a voar.
O CDS, aliás, sempre lhe conheceu a veia e o mau feitio.
Nem por isso se incomodou.
No congresso do partido, em 1992, Avelino esmurrou um congressista e insultou uma delegada. Enxovalhou vários adversários internos, mas a paciência e tolerância são, como se sabe, virtudes cristãs. Ferreira Torres intitulou-se sempre um “homem do 25 de Abril”. Com nuances. “Se a direita é disciplina e rigor nas ações”, ele é desses. “Se a esquerda é a luta pelo bem social da população”, ele também vai a essa missa.
Para todos os efeitos, Avelino foi praticamente dono do CDS no Marco. E até a própria sede concelhia, apesar de paga pelos militantes, esteve em seu nome. Do ponto de vista político, verdade seja dita, o partido nunca lhe faltou. Luís Nobre Guedes foi a um jantar em sua homenagem elogiar-lhe a obra e a assembleia distrital do Porto do CDS saiu a terreiro em sua defesa, criticando quem pretendia “destruir um autarca que, de forma que não deixa dúvidas a ninguém, tanto tem feito em prol do Marco”.
De facto, no seu partido de sempre, Avelino sempre teve quem o levasse ao colo. Desde 1983, todos os líderes toleraram o feitio e sufragaram o homem. Com exceções.
Curiosamente, foi um dos amigos de longa data a tirar-lhe o retrato muito cedo. Vieira de Carvalho, autarca da Maia já falecido, acusou-o de “infantilidade, leviandade e irresponsabilidade” a propósito de polémicas no CDS, dizendo-se fatigado de aturar “pessoas que aprenderam a ler, a escrever e a contar depressa demais”.
Em 1995, Ferreira Torres amuou e saiu do CDS vociferando contra os “copinhos de leite, queques e rapazolas” que mandavam no partido. Agastara-o não ter sido escolhido para candidato a deputado em lugar elegível. Zangado, fundou o Partido Popular das Regiões, episódio efémero no historial da democracia. Voltou então ao CDS pela mão de Manuel Monteiro. O seu nome chegou a ser de novo ventilado para a lista de deputados nas legislativas de 1999, mas nunca aconteceu.
De novo, amuou, mas Paulo Portas, ex-líder do CDS, perdoou. “O senhor gere como ninguém os dinheiros públicos”, disse de Ferreira Torres na campanha autárquica de 2001. A Câmara tinha 45 milhões de euros de dívida e encontrava-se em situação de falência técnica.
Durante anos, as queixas que davam entrada no Tribunal de Marco de Canaveses contra Ferreira Torres eram arquivadas. As investigações da PJ não ataram nem desataram. E ele não foi beliscado. Tinha e tem cumplicidades nas polícias e na magistratura. Avelino já pôde dizer, à boca cheia e nos jornais, sem que nada lhe acontecesse, que comprava a PJ e fugia aos impostos porque não era parvo.
O autarca teve às suas costas perto de uma vintena de processos, entre os quais se incluíam denúncias de peculato, falsificação, ilícitos eleitorais, difamação e ameaças, abusos de poder e ofensas à integridade física.
Num desses casos, Gil Mendes queixava-se de ter sido sequestrado, insultado, pontapeado, esmurrado e cuspido no gabinete de Ferreira Torres, por este e pelo vereador da Cultura, quando ali se deslocou a pretexto de um subsídio. “Esse desmiolado não regula muito bem por ter sido atingido com a carcaça de uma vaca velha vinda de Espanha”, disse Avelino do então professor.
Gil Mendes não lhe dava sossego desde o dia em que, vestindo a capa de paparazzi, decidiu filmar e fotografar clandestinamente as obras na quinta do Marco onde Avelino construiu a sua mansão, tendo conseguido recolher imagens esclarecedoras quanto à utilização, por parte do presidente da câmara, de viaturas, materiais e trabalhadores da autarquia. Os funcionários diziam à boca cheia, irónicos, que trabalhavam na Bósnia. Mas Ferreira Torres garante que o faziam “nas horas deles para ganhar mais uns cobres”. O caso acabou em tribunal e Avelino defendeu-se assim: “Eu tinha mais ferramentas do que a Câmara, fui eu que emprestei”.
A Quinta de Segovia, morada de Avelino, fora construída ao jeito das ambições do proprietário. Cercada ao jeito de marulha da China, com muro duplo, espraiara-se ao longo de hectares do tamanho de vários campos de futebol. Avelino justificou a compra da quinta a bem da sua saúde, e amparado em “conselho médico”, por causa do “stress”. A moradia oferecia “vista magnífica” e abrangia, segundo o próprio, “imensas freguesias e diversos concelhos”, por entre “pinheirais e campos de repousante imagem”. Ninguém se atreveu a avançar números relativos ao custo deste empreendimento salomónico. A imponência, porém, nunca constituiu incómodo para quem, como Avelino, sempre garantiu desprezar o dinheiro: “A mim, mete-me nojo”.
Talvez por isso, sempre o gastou.
Qual Midas de paróquia, o autarca nunca se preocupou em explicar de onde lhe vem tanta fortuna. A sua biografia é parca em pormenores sobre a origem de rendimentos de monta, mas pretende dar como provado o facto de Avelino impressionar “com certas liberalidades, prova de que já era senhor dum considerável património”. Há uns anos, Avelino era dono de um apartamento no Porto e de uma vivenda com piscina, court de ténis e capela privativa em Marco de Canaveses. O parque automóvel privado incluía um BMW 730 e dois Rovers 620.
O futebol foi a sua rampa de lançamento. O seu modo de estar “será, em parte, resultado da «deformação» do estágio que teve”, refere a biografia.
Ocupou, entre outros, o cargo de presidente do Conselho de Arbitragem do Porto. Também foi notícia por causa das cenas menos próprias protagonizadas durante um jogo da II Liga, Marco-Santa Clara: atirou-se ao homem do apito, quis bater-lhe, pontapeou material da equipa de arbitragem e entrou em campo sem que a GNR o detivesse. O País viu, pela primeira vez, em diferido, o estilo de Avelino. E aparentemente escandalizou-se.
Sócio do FC Porto, era presença frequente no camarote VIP do velho Estádio das Antas. Tinha lugar cativo nas viagens do clube ao estrangeiro, mesmo nos períodos em que não podia ausentar-se da sua trincheira autárquica sem comunicar ao tribunal. No Marco, Avelino presidiu ao clube local e deu nome ao estádio. Também foi erguido um busto em sua honra no interior do concelho. Por entre as muitas placas espalhadas pelas freguesias com ruas e avenidas Avelino Ferreira Torres, registe-se ainda a existência, na cidade, de uma rua do Futebol Clube do Porto e de uma avenida Jorge Nuno Pinto da Costa.
Avelino sempre pretendeu passar a imagem do homem que acredita na moral, nos bons costumes e “na Nossa Senhora de Fátima”. Embora, no fundo, admita ser “um pecador”. Em Marco de Canaveses, Ferreira Torres nunca autorizou casas noturnas, “verdadeiras chocadeiras de crimes de toda a espécie e de perversão da já de si desviada juventude”. E também não gostava de ver “ciganada” e “esses ambulantes da zona do Magrebe” na terra, colocando “os operários portugueses no desemprego”.
“Arquiteto sem curso”, de horizontes traçados “com a larga visão que a sua mente abrange”, Avelino comparou-se ao antigo presidente brasileiro Jânio Quadros e ao Marquês de Pombal. Gostava de fazer depressa. Nem sempre bem. Enquanto autarca, dava ordens para obras começarem sem licença. “É essa a forma de incentivarmos os investidores”, justificou, numa entrevista.
A biografia destacara este “hércules de corpo e alma” que gostava de “certas exibições de poder”. Segundo a obra, Avelino praticava “uma espécie de halterofilismo nas duas variantes, física e mental, por vezes em associação”. Cultura, para ele, é a da batata, “das couves e do feijão”. E em tempos lamentou-se de não poder aproveitar os dolmens da estação arqueológica do Marco para fazer “casas para os pobrezinhos”.
Ensaio para um regresso
Em 2004, Avelino Ferreira Torres tentou um regresso triunfal à terra onde nascera. Prometeu sair mais barato a Amarante, mas entreteve-se a gastar muito dinheiro para convencer os eleitores.
Levou eletrodomésticos, helicópteros, celebridades, dois jornais e estardalhaço. Prometeu empregos. Fazendo jus ao estilo de sempre, instalou-se no município com um ano e meio de antecedência sem cuidar de palavreado ou modos. Duas publicações da sua lavra, Ecos do Marão e Clarim do Tâmega, entravam nas caixas de correio de quase 60 mil pessoas. A “verdade” de Avelino era também entregue em mão. Em todas as edições, o candidato tinha sempre, pelo menos, uma dúzia de fotos. Sorridente, bem-disposto, aparecia a dar beijos a criancinhas e a cumprimentar velhinhos, entre a multidão. Era destaque de capa, a maioria das vezes manchete.
Naquele ano, foi tudo em grande: dos mega-jantares aos cartazes do movimento AMARAmarante. A sede de candidatura parecia o quartel-general de um candidato presidencial. O desfile de apoiantes incluía Cinha Jardim, Paula Coelho, Ramos e Ramos, Pedro Camilo e Pedro Reis, vedetas de big brother com as quais Avelino partilhou, na Quinta das Celebridades da TVI, a casa e o curral.
Os batismos de voo, organizados de freguesia em freguesia, aos fins de semana, também ficaram famosos. Por conta do movimento que apoiava Avelino, milhares de pessoas olharam a terra e a casinha lá de cima a bordo de um helicóptero que custou umas centenas de euros por hora.
Se era isto a glória de Avelino nas alturas ou apenas a prática “dos ensinamentos de Cristo”, como ele gosta de dizer, não se sabe. Mas que ele era sentimental, sabia-se. Segundo relato publicado no Clarim do Tâmega, durante a inauguração do piso sintético do campo de jogos de São Lourenço do Douro – no Marco de Canaveses, note-se – Ferreira Torres “emocionou-se” com a presença de um paraplégico e comprometeu-se, “de voz embargada”, a comprar uma cadeira de rodas. Mesmo assim, Avelino perdeu. Estrondosamente.
Dias depois, a poucos quilómetros de Amarante, um inquilino do PSD tomava lugar na autarquia que Avelino deixara para trás, atulhada em dívidas. Para entrar na Câmara de Marco de Canaveses, Manuel Moreira, o novo presidente, teve, primeiro, de saber o código. O acesso ao gabinete pedia número secreto, como secreta era uma passagem para as traseiras do edifício. Esta, o novo edil tapou-a com cimento. O resto pedia mais do que isso. “Encontrei aqui o melhor que há no terceiro mundo”, ironizava o autarca social-democrata no início do seu mandato. Os quase 23 anos de Ferreira Torres não chegaram para que se fizesse o básico. A maioria do concelho não estava ainda coberta por água e saneamento. E esgotos continuavam a céu aberto. Em consequência da herança, as finanças do município estavam comprometidas para vinte anos.
No Marco, o veterinário municipal trabalhava há anos no carro e andava com os papéis debaixo do braço. O concelho era o único do distrito sem sala de espetáculos. Na câmara, os poucos computadores eram “pré-históricos” e sem rede. Numa sala, foram encontrados milhares de manuais escolares que deveriam ter seguido para as antigas colónias africanas, mas nunca levantaram poeira.
A 25 de Abril de 2005, o Dia da Liberdade comemorou-se oficialmente pela primeira vez em Marco de Canaveses. Mas a via-sacra do então novo presidente estava para durar. Quatro anos depois, Avelino Ferreira Torres andava de novo, no terreno, apresentando-se como candidato autárquico à câmara que foi dele. Sorria e prometia regresso aos bons tempos. Perdeu e voltou quatro anos depois, em 2013.
Aí, perdeu de novo. Deprimiu, adoeceu, foi a programas de TV ainda com ar convalescente, mas prometendo pôr-se de pé, de novo.
Amarante é já a seguir. E tudo se pode repetir.
(Este artigo recupera, em parte, o capítulo “O autarca”, incluído num livro do autor do texto.)