“Deus nem sempre é amigo” das palavras. Calvão da Silva que o diga
O efémero ministro da Administração Interna foi o protagonista de algumas das melhores pérolas do ano. De galochas nos pés, ao percorrer as zonas de Albufeira destruídas por um temporal, João Calvão da Silva foi o ministro que não teve receio de invocar o nome de Deus: as inundações haviam derivado de uma “fúria demoníaca” da natureza, um “ato de Deus” – ou se preferirem em inglês, como o próprio frisou, um “act of God” – porque “Deus nem sempre é amigo”. Calvão da Silva também não se esqueceu de dirigir umas palavras aos familiares do homem de 80 anos que morreu vítima das cheias. Mas também essas não caíram bem à esmagadora maioria dos portugueses. “Ele, que era um homem de apelido Viana, entregou-se a Deus e Deus com certeza que lhe reserva um lugar adequado.” Foi o primeiro ato público daquele que antes de ser ministro já assinara um parecer que ficará para a história, a defender que os 14 milhões pagos por um construtor a Ricardo Salgado não foram mais do que uma liberalidade, fruto de um espírito de solidariedade e entreajuda.
António Costa. Uma gafe nunca vem só
“A Turquia é um velho e estratégico aliado de Portugal, nosso parceiro como membro fundador da NATO, em 1959, e, portanto, tudo o que seja o estreitamento da relação entre a UE e a Turquia é algo que importa a Portugal, e Portugal naturalmente estará empenhado em que esse relacionamento se possa estreitar.” A declaração é do primeiro-ministro António Costa e foi feita à saída da sua primeira cimeira de líderes europeus, no final de Novembro. Tinha tudo para ser apenas mais um statement político, não fosse conter não um, mas dois erros históricos. A NATO foi fundada em 1949 (e não dez anos depois) e a Turquia não foi um dos países fundadores (só aderiu em 1952).
“São muitos números”. Quem nunca amaldiçoou a matemática?
Muitos números podem dar a volta à cabeça de qualquer um. Até de um economista doutorado em Harvard. Durante a apresentação das linhas económicas do PS, Mário Centeno, hoje ministro das Finanças, baralhou-se, riu-se e voltou a baralhar-se perante perguntas sobre o crescimento previsto para o país e o défice previsto para 2019. O vídeo, capaz de envergonhar o melhor do mundo a fazer contas, espalhou-se pelas redes sociais.
“O crescimento médio da economia neste período é de… 2,6. [risos]. Estou a brincar”, disse Centeno antes de começar novamente a rir-se. Neste momento os presentes ainda não tinham percebido se Centeno estava perdido nos cálculos ou apenas a plantar uma piada. As dúvidas desfizeram-se nos instantes seguintes. “E o défice em 2019 é… 0,8. Corrijam-me lá”, prosseguiu em tom irónico. Quando uma voz o corrigiu, dizendo “0,9”, toda a gente desconfiou de que alguém não tinha feito o trabalho de casa. O coordenador do programa económico de António Costa não retirou o sorriso de orelha a orelha mas pediu desculpa por estar tão perdido: “São muitos números.” Quem nunca se queixou do mesmo a Matemática que atire a primeira pedra.
Cavaco em versão personagem de um filme de Scorcese
“Gangster”, isto é, “membro de uma associação de malfeitores”, “bandido”. A demora da decisão do Presidente da República sobre a formação do governo – e os comentários que acompanharam essa demora – deixaram muita gente revoltada. António Costa pronunciou-se, o deputado Sérgio Sousa Pinto também mas ninguém – pelo menos em termos públicos – foi tão longe como o jovem deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro. No Twitter deixou estas palavras a Cavaco, no dia 17 de Novembro, pelas 18h:“Isto não é um Presidente, é um gangster”. A expressão mereceu críticas até de dentro do Partido Socialista: houve quem a classificasse de “imprópria” e como representativa de “imaturidade política”. Tiago Barbosa Ribeiro acabou a pedir desculpas pela imprudência.
Reembolso antecipado ao FMI? Não faz mal sonhar
O ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho também teve o seu momento infeliz. Em plena campanha eleitoral anunciou que a almofada financeira era tão confortável que a 15 de Outubro Portugal iria antecipar um novo reembolso ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas afinal tudo não passou de um lapso. Nessa mesma data Portugal tinha sim que reembolsar uma obrigação do Tesouro, desembolsando 5,4 mil milhões junto dos mercados. Os reembolsos ao FMI teriam de ficar para outras núpcias. Com tanta dívida por pagar, Passos equivocou-se.
Deputado ou deputada? A gafe em direto
O zumzum provocado por esta não terá escapado a nenhum português. As imagens de José Rodrigues dos Santos, a dizer no Telejornal da RTP que “o deputado mais velho [do parlamento] tem 70 anos e foi eleito – ou eleita – pelo PS”– geraram uma onda de indignação nas redes sociais, reações de políticos e organizações, queixas para a RTP e para a ERC. Em poucas horas, o jornalista transformou-se no homem mais odiado do país, acusado de ser homofóbico, preconceituoso e de fazer piadas de mau gosto. Mas José Rodrigues dos Santos tinha afinal uma explicação: corrigiu o texto, não numa alusão a Alexandre Quintanilha, deputado do PS e homossexual assumido, mas porque as primeiras imagens da peça mostravam uma mulher – Domicília Costa, eleita deputada pelo Bloco de Esquerda aos 68 anos.
Cenas de um casamento
Todos os casamentos têm as suas zangas, turras e amuos – irrevogáveis ou não. O de Passos Coelho e Paulo Portas não foi exceção. Na biografia autorizada de Passos diz-se que Portas apresentara o pedido de demissão de 2013 por sms. A versão de Portas era outra: o pedido tinha sido formalizado por carta. Como se isto não bastasse para azedar uma união, Passos Coelho ainda disse posteriormente no Parlamento: “Nunca na vida enxovalhei ninguém, muito menos o líder da oposição.” Gafe ou provocação? A verdade é que Portas não se deixou ficar: apresentou-se “ao serviço” como “líder do principal partido da oposição” e pediu perguntas “por sms”.
Paulo Portas e a definição de mulher
Não se tratou propriamente de uma calinada. De um erro factual ou gramatical. De uma troca de números ou de acontecimentos. Foi só um pensamento desajustado para o século XXI – e por isso decidimos inclui-lo na lista das piores gafes do ano. “As mulheres sabem que têm de organizar a casa e pagar as contas a dias certos, pensar nos mais velhos e cuidar dos mais novos.” Se alguém nos dissesse que a imagem foi usada para mostrar como o governo “pôs as contas em dia e arrumou a casa” não acreditávamos. Se alguém nos dissesse que este discurso foi feito precisamente num almoço de mulheres, decerto perguntaríamos: “E no final Portas sobreviveu?”
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