Na quinta-feira, 14, quando o ciclone se aproximou da sua terra, Nuno Cardoso, 53 anos (moçambicano, tal como os pais e os avós), estava com o filho mais velho no seu clube de praia, em Ponta Gea, mesmo em cima do mar. Mas a meio da tarde, quando o vento se começou a intensificar, acharam por bem recolher a casa. Nessa altura, já viram postes a cair e chapas a voar, mas nada de muito grave.
Às oito da noite, a intensidade aumentou, com o som ensurdecedor do vento a entrar pelas frinchas das janelas. Na sua casa, Nuno só tem a lamentar uma janela partida e a água que lá entrou, porque o andar de cima ficou sem telhado. Durante a noite, que passou quase em claro, foi ouvindo estrondos que lhe pareciam bombas a rebentar – depois percebeu que eram a mobília, desgovernada, a bater nas paredes.
Dormiu apenas uma hora. Assim que pôde, saiu à rua para testemunhar a destruição da cidade onde vive. Foi de carro, com dificuldades em avançar porque muitas estradas estavam cortadas. Perdeu a conta às chapas de zinco que encontrou. mas também ficou feliz com a forma como a população de mobilizou, de imediato, para limpar as ruas e a areia que interditava a estrada.
“Está muita gente a vir para cá, ajudar”, garante o empresário. E bem é preciso, porque ainda há 15 mil pessoas abrigadas em copas de árvores e em telhados, à espera de auxílio. Corpos a boiar, contam os relatos, são às centenas.
“Há localidades num raio de 100 quilómetros da Beira, que deixaram de existir – é como Vila Franca de Xira ficasse, de repente, debaixo de água”, explica. “A devastação é total.”
Neste momento, Nuno Cardoso está na África do Sul, junto à mulher, os dois filhos e outros familiares. Não fugiu: a viagem estava planeada para sábado, 16, mas só conseguiu embarcar na segunda-feira, quando o aeroporto reabriu, depois da catástrofe.
Na Beira, deixou quatro negócios (dois restaurantes, o clube de praia e uma oficina), com prejuízos calculados em meio milhão de euros. Só um dos restaurantes está a funcionar neste momento – o resto fechou portas até melhores dias.