O 45º Presidente dos EUA tem um ego do tamanho do universo mas na última quarta-feira, 3 de outubro, não fez qualquer comentário à mais recente lista de multimilionários, elaborada pela revista Forbes. A liderar esta classificação está o patrão da Amazon, Jeff Bezos, com uma fortuna estimada em 160 mil milhões de dólares – ou seja, nos últimos 10 meses ganhou qualquer coisa como 2950 dólares por segundo (mais de 2500 euros, sublinhe-se, por segundo). Independentemente dos méritos de Bezos, que no mesmo dia anunciou um aumento para todos os seus funcionários (para 15 dólares/hora), o seu impressionante pecúlio cresceu devido a algo muito simples: à valorização bolsista da Amazon e, sobretudo, ao brutal corte de impostos decretado por Donald Trump em dezembro passado.
O mais caricato é que o antigo magnata do imobiliário convertido à política seja dono de uma fortuna que, nas contas da Forbes, aparece no lugar 766º. Uma humilhação para o homem que gosta de apresentar-se como o melhor do mundo em tudo. Pior: na mesma data, o New York Times (NYT) publicava oito páginas arrasadoras sobre as credenciais de Donald Trump em matéria de negócios. O longo artigo assinado por Russ Buettner, Susane Craig e David Barstow, resultante de uma investigação que durou ano e meio, desfaz por completo a imagem do empresário que se fez a si mesmo, o famoso self-made man que construiu um império a partir do zero. Os jornalistas escrevem que ele terá recebido, pelo menos, 413 milhões de dólares (358 milhões de euros) do seu progenitor, o também promotor imobiliário novaiorquino Fred C. Trump, graças a incontáveis manobras de evasão fiscal e a outros expedientes pouco lícitos, “incluindo casos de manifesta fraude”. Ao que parece, o Presidente já não pode ser alvo de um processo-crime pela simples razão de que os supostos delitos já terão prescrito, mas habilita-se a que a justiça de Nova Iorque abra uma investigação por responsabilidade civil.
Alguns dos pormenores publicados no NYT são quase hilariantes. Ainda bébé, Donald John Trump já fazia parte da folha salarial das empresas do seu pai. Aos três anos, já recebia 200 mil dólares (ao câmbio atual) por ano, como se fosse um operário especializado ou mesmo o contabilista da firma. Aos oito era já milionário. Aos 17, a sua fortuna incluía um bloco de 57 apartamentos em Manhattan. A partir dos 22, por ter conseguido terminar os estudos universitários, o pai quis recompensá-lo e passou a dar-lhe um milhão de dólares adicional a cada 12 meses. Aos 40, já casado e com três filhos, o bónus subiu para cinco milhões anuais. A história iria prolongar-se. Sempre de acordo com o Times, Trump e os seus quatro irmãos iriam beneficiar – “durante mais de meio século” – dos esquemas do patriarca da família, responsável pela “criação de 295 fontes de enriquecimento pouco claras”.
De qualquer forma, o atual Presidente terá sido quem mais ganhou em todo este processo por ter sido ele o principal interlocutor de Fred Trump. Até este último falecer, em 1999, contou com Donald John como seu funcionário, consultor, gestor e até banqueiro. E, em 2003, foi ele quem se encarregou de vender o resto do império de Fred, o que lhe terá permitido embolsar mais 177 milhões de dólares, embora exista a suspeita de que o valor real possa ter sido muito superior, com o propósito de fugir novamente ao fisco. Negociatas que acabam de vez com o mito de Trump ser um empreendedor de génio, cuja fortuna ia dos hotéis aos casinos e valia mais de 10 mil milhões de dólares. Além de deitarem igualmente por terra a repetida historieta de que o seu pai só lhe emprestou um milhão e depois lhe exigiu um pagamento faseado “até ao último cêntimo e com juros”.
Claro que a Casa Branca foi obrigada a reagir e, como de costume, teve de ser a porta-voz Sarah Huckabee Sanders a desmentir tudo e a garantir que as informações do NYT eram fake news e que as Finanças já escrutinaram as contas do Presidente. Uma tese caricata se tivermos em conta que Donald Trump se recusou a divulgar as suas declarações de rendimentos, contrariando o que fizeram os seus antecessores nas últimas quatro décadas. No entanto, Sarah, sempre disponível para defender incondicionalmente o chefe de Estado, aproveitou a conferência de imprensa para sublinhar que a reportagem do NYT vinha demonstrar que Fred Trump tinha “grande confiança” no seu filho Donald. Pelos vistos não era bem assim. Em dezembro de 1990, o patriarca dos Trump recebeu um documento em que Donald lhe pedia formalmente para ser escolhido como principal gestor do património familiar. Quer adivinhar a resposta? Como é óbvio, por já ter assistido a alguns negócios ruinosos de Donald, o velho Trump deu-lhe um rotundo “Não”.