Acusaram-no de fazer uma campanha a atirar areia para os olhos dos holandeses, alertaram os eleitores para o seu perfil demasiado suave e para a sua inexperiência (afinal, nunca fez outra coisa a não ser política), mas a verdade é que Jesse Klaver foi o grande vencedor das eleições holandesas ao quadruplicar o número de lugares no Parlamento (na Câmara Baixa, que foi ontem a votos) para o seu partido ecologista GroenLinks.
É suave, de facto. E descontraído. Fez comícios em tom intimista, onde aparecia em mangas de camisa, sem gravata, para, mais do que divulgar o seu programa – pró-Europa e justiça social, favorável ao acolhimento de imigrantes (considera que as pessoas não devem ser julgadas com base nas suas origens, mas sim “no seu futuro”), defensor das energias renováveis (a que a Holanda, o país da UE mais exposto às alterações climáticas, é particularmente sensível) -, contar histórias pessoais e anedotas, nos comícios. Pode gabar-se de ter sido o candidato que mais gente conseguiu reunir, durante a campanha (numa sala de concertos animada por um refugiado sírio que entretanto se dedicou ao rap). O seu discurso colheu.
Filho de um pai marroquino ausente e de uma mãe meia-indonésia, educado pelos avós em condições muito modestas, soube, com os seus 30 anos, utilizar a seu favor as redes sociais, promover o discurso populista e anti-Europa de Geert Wilders (na semana passada, em Amsterdão, dizia que “este ano, não se trata apenas de eleições na Holanda, mas em toda a Europa. Na Holanda, temos de mostrar que podemos travar o populismo, que existe uma alternativa e esta alternativa somos nós”) e os ensinamentos vindos do outro lado do Atlântico. “Jesse we can”, gritavam, nos comícios, os seus fãs. É que Jesse pronuncia-se, em holandês, como “yes”, numa repetição do slogan de Obama, em 2008, “yes we can” (“sim, conseguimos”).
Está no Parlamento desde as últimas eleições (de 2012), mas só há dois anos ascendeu à liderança do seu partido.
Os números não enganam
Depois do Brexit e da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, os olhos do mundo estavam postos no escrutínio que ontem levou os holandeses às urnas. Temia-se que Geert Wilders, o líder do Partido da Liberdade (PVV), de extrema-direita, levasse a melhor sobre Mark Rutte, o primeiro ministro em funções, líder do partido liberal VDD. Seria um péssimo sinal sobre o futuro da Europa, num ano em que a França (com Marine Le Pen a chegar à segunda volta) e, depois, a Alemanha (com a contestada Angela Merkel), vão a votos.
Pela afluência às mesas de voto (terão votado 81% dos 12,9 milhões de eleitores), os holandeses estavam bem cientes do olhar que recaía sobre a sua escolha. E os resultados foram bem diferentes das sondagens. Mark Rutte e o seu VDD foi o partido mais votado (obteve 21,3% dos votos e 33 lugares no parlamento), cabendo-lhe a ele iniciar contactos (e negociações) para formar governo. Com (13,1% dos votos e 20 lugares) Geert Wilders subiu do terceiro para o segundo lugar dos partidos mais votados, é certo, mas abaixo do resultado de 2010 (15,4% dos votos e 24 lugares).
Com 8,9% dos votos e 14 deputados, mais 10 do que em 2012, Jesse Klaver surge em sexto lugar (depois dos Democratas Cristãos, dos Democratas, com 19 lugares cada um, e dos Socialistas). Com este resultado, o Trudeau holandês (Klaver dá ares ao primeiro ministro do Canadá) torna-se, segundo o Le Monde, o líder da esquerda holandesa.
Ex-presidente do movimento de juventude ecologista DWARS (ligado ao GroenLinks) e do sindicato da juventude CNV, foi o membro mais novo a alguma ter tido assento no Conselho Economico e Social do seu país. Seguidor das teorias de Thomas Piketty, deseja uma Europa “para todos e não apenas para os ricos cada vez mais ricos”. Admirador de John Fitzgerald Kennedy (têm, aliás, as mesmas iniciais), Jesse Feras Klaver adotou uma das frases mais conhecidas do ex-presidente americano: “uma pessoa pode fazer a diferença e cada um devia experimentar”. Fez a diferença ao ter contribuído fortemente para a semi-derrota de Wilders.
No seu site pessoal, explica a sua filosofia de vida e a força que o move. “A única coisa que te separa dos teus sonhos é o medo de falhar. Desfaz-te das tuas angústias e tudo será possível: esta lição de vida, que a minha mãe me transmitiu, também é importante em política.”
Klaver, o preferido dos eleitores de género feminino e daqueles que se situam entre os 18 e os 24 anos, um dos grandes vencedores das eleições holandesas. E, com ele, ganharam os europeístas da política dos Países Baixos. Resta agora saber como é que, com base nos resultados (provisórios) Mark Rutte, que precisa de uma maioria de 76 lugares num Parlamento de 150, vai construir o seu governo de coligação. Este processo vai decorrer nos próximos dois ou três meses. Rutte vai precisar de negociar uma mega-geringonça com os Democratas Cristãos e os Democratas do D66. Apesar de se situar bem mais à esquerda, Klaver já se mostrou disponível para embarcar nesta aventura. A confirmar-se este cenário, desde 1972 que não se assiste, na Holanda, a uma coligação tão alargada.